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Prosa - Academia Brasileira de Letras

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Affonso Romano <strong>de</strong> Sant’Annacontar a estória. A negação ou modificação do enredo ou alteração das característicasdos personagens <strong>de</strong>monstram sua obsessão pela enunciação, seu prazerpelo bordado da narrativa, sua paixão pelo jogo.Está aí o caráter transformacional <strong>de</strong>ssa narrativa complexa, que se faz enquantose faz, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma práxis cheia <strong>de</strong> virtuosismo. O narrador po<strong>de</strong> dizerirônico e confiante: “Não, leitor, não me apanhas em contradição” ao confrontaro capítulo 74 com o 3, assinalando que a narrativa se altera porque a verda<strong>de</strong>também se altera. A verda<strong>de</strong> está em movimento, não tem centro, e a narrativa,como a verda<strong>de</strong>, vive num <strong>de</strong>slocar-se constante, recusando todos os centramentosque lhe queiramos conce<strong>de</strong>r. É para reafirmar isto que o narrador introduz asconsi<strong>de</strong>rações sobre a valida<strong>de</strong> da nota <strong>de</strong> dois mil réis ontem e hoje. Ontem elaenriqueceu o Nóbrega, mas “agora ela não subia a uma gorjeta <strong>de</strong> cocheiro”. E sea verda<strong>de</strong> transforma-se em câmbio imposto pelo jogo das relações, enten<strong>de</strong>-seque a opinião do narrador altere-se a ponto <strong>de</strong> parecer contraditória, No capítulo3 a esmola dada por Nativida<strong>de</strong> e Perpétua ao irmão das almas era creditada auma felicida<strong>de</strong> advinda <strong>de</strong> uma aventura amorosa, mas no capítulo 74 a esmola écreditada à proteção <strong>de</strong> Santa Rita <strong>de</strong> Cássia. É que as opiniões mudam, diz onarrador, e assim a sua narrativa. E são justamente essas mudanças que lhe interessafixar. Talvez mais as transformações do que os objetos <strong>de</strong>ssas transformações.Se assim não fosse, seus livros seriam o repositório <strong>de</strong> “cochilos do autor”.Mas o que Machado faz é “cochilar” <strong>de</strong> propósito e comentar porque cochilou, <strong>de</strong>tal modo que o <strong>de</strong>svio passa ser uma norma e componente necessário ao andamentoda composição. Incorporando o que parece ser um <strong>de</strong>slize, explicitandoas contradições, revela-se interessado em mostrar que, no jogo da verda<strong>de</strong>, centronão existe, pois a verda<strong>de</strong> (se existe) é função do ponto <strong>de</strong> vista do narrador. Mo<strong>de</strong>los presentes na intitulação dos capítulosA intitulação dos capítulos conduz o sistema <strong>de</strong> dualida<strong>de</strong>, alternância e integração.Em pelo menos 18 capítulos os títulos reforçam o jogo entre os contrários,ressaltando sempre o caráter transformacional (AxB, A ou B, AeB).112

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