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Prosa - Academia Brasileira de Letras

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Letícia Malardconsegue romper a dicotomia “moral versus prazer”, cujo limite é o suicídio. Sóque o ameaçado suicídio <strong>de</strong> Estêvão é uma caricatura do concretizado suicídio<strong>de</strong> Werther, pois o objetivo <strong>de</strong> Machado é <strong>de</strong>sconstruir pela ironia o velho romantismo.Registrem-se as primeiras linhas <strong>de</strong> A Mão e a Luva, num diálogo entreEstêvão e Luís, iniciado por este último, a propósito do rompimento entreEstêvão e Guiomar:“ – Mas que preten<strong>de</strong>s fazer agora?– Morrer.– Morrer? Que idéia. Deixa-te disso, Estêvão. Não se morre por tãopouco...” 10É claro que, se a essa altura apelarmos para questões freudianas, <strong>de</strong> sobreposições<strong>de</strong> prazer e sofrimento, ou lacanianas, como a noção <strong>de</strong> “gozo” – outroserá o caminho da análise. Mas não é o caso. Nessa primeira fase do amor <strong>de</strong>Estêvão, o Werther machadiano, interessa sobretudo sua pusilanimida<strong>de</strong> antinarcísica,reforçada numa troca simbólica: ele dá a Guiomar um gran<strong>de</strong> amor,ela lhe retribui com uma flor murcha: a flor que ele pe<strong>de</strong> à amada retirar doscabelos, pois ela certamente iria jogá-la fora. Estêvão, em vez <strong>de</strong> lhe pedir “asua flor”, símbolo do sexo não interdito apenas mediante a aliança matrimonial,“o prazer”, lhe pe<strong>de</strong> o <strong>de</strong>notativo enfeite fanado, contentando-se com o quehá <strong>de</strong> mais <strong>de</strong>scartável na namorada:“O pouco mais foi uma flor, não colhida do pé em toda a original frescura,mas já murcha e sem cheiro, e não dada, senão pedida.– Faz-me um favor? disse um dia Estêvão apontando para a flor que ela trazianos cabelos: esta flor está murcha, e, naturalmente, vai <strong>de</strong>itá-la fora ao<strong>de</strong>spentear-se; eu <strong>de</strong>sejava que ma <strong>de</strong>sse.10 ASSIS, Machado <strong>de</strong>. A Mão e a Luva. Rio <strong>de</strong> Janeiro-São Paulo-Porto Alegre: W. M. Jackson,1944. p. 11.266

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