13.07.2015 Views

Prosa - Academia Brasileira de Letras

Prosa - Academia Brasileira de Letras

Prosa - Academia Brasileira de Letras

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

Narradores do ocaso da monarquia<strong>de</strong>ravam que fosse política”. Choveram cartas, uma das quais dizia que políticaera “tirar o chapéu às pessoas mais velhas”; outra afirmava que consistia na“obrigação <strong>de</strong> não meter o <strong>de</strong>do no nariz”; outra ainda opinava que políticaera, “estando à mesa, não enxugar os beiços no guardanapo da vizinha”; um barbeiroa <strong>de</strong>finia como “a arte <strong>de</strong> lhe pagarem as barbas”; já uma dama gamenha,mui religiosa também, lembrava o Evangelho <strong>de</strong> São Mateus para dizer que políticaera praticar com os olhos um <strong>de</strong> seus versículos: “batei e abrir-se-vos-á”. Lélionão recebera cartas <strong>de</strong> políticos, o que estranhara, pois as havia solicitado,mas achava resposta indireta no que dissera o <strong>de</strong>putado César Zama haviapouco. Discutia-se à época, em idas e vindas sem fim, mais um projeto para aemancipação dos escravos (processo que resultaria na lei <strong>de</strong> 28 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong>1885, a chamada Lei dos Sexagenários). O texto que estava à baila consistiaem flagrante recuo do governo na questão, numa situação que, já <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o gabineteDantas, <strong>de</strong>rrubado em maio, caracterizava-se por tenaz resistência dos escravocratas,presentes nos dois partidos oficiais da Monarquia, a qualquernova iniciativa do legislativo nesse assunto. Zama, um liberal, dizia ser favorávelà abolição imediata da escravidão, mas aceitara o projeto <strong>de</strong> emancipaçãogradual “passado e aceita este”, justificando-se assim: “quando não se po<strong>de</strong>obter o que se quer, é necessário que se queira aquilo que se po<strong>de</strong>”. O narradorprosseguia, reconhecendo nisso “oportunismo”, mas ren<strong>de</strong>ndo-se aos fatos elhe fazendo <strong>de</strong> novo a apologia: “quem não tem cão caça com gato”. O maisrazoável parecia mesmo a<strong>de</strong>rir ao que se lhe oferecesse, para encher o bucho.Em suma, o movimento interno do texto do narrador seguia um padrão regular,segundo o qual ele i<strong>de</strong>ntificava um problema real, ficava perplexo dianteda dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> formar opinião, pois que nenhuma das soluções à vista pareciamelhor do que as outras, logo a<strong>de</strong>ria à posição que lhe parecesse individualmentemais vantajosa. O paradigma narrativo, estruturalmente semelhante ao<strong>de</strong> “História <strong>de</strong> Quinze Dias”, ainda que diferente em cada <strong>de</strong>talhe particular,instituía a alterida<strong>de</strong> radical entre autor real e narrador ficcional no centro doprocesso, resultando daí mesmo o sarcasmo e o <strong>de</strong>boche tão pertinentes a essestextos. A<strong>de</strong>mais, em se tratando <strong>de</strong> escravidão, a Gazeta <strong>de</strong> Notícias lutava para307

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!