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Prosa - Academia Brasileira de Letras

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Letícia MalardContudo há uma diferença <strong>de</strong> postura entre as duas narrativas: em Macedo,as atitu<strong>de</strong>s dos adoradores das cantoras têm um tom <strong>de</strong> comédia e integram aação romanesca; em Machado, assumem um ar crítico <strong>de</strong> algo démodé, <strong>de</strong> idéiafora do lugar – epopéia grega encenada no Rio <strong>de</strong> Janeiro transformado emTróia: “Uma noite a ação travou-se entre o campo lagruísta e o campo chartonista,com tal violência, que parecia uma página da Ilíada. [...] Estêvão é umadas relíquias daquela Tróia.” 14 Concluindo essa primeira fase: Estêvão vivepaixões fogo-<strong>de</strong>-palha, sem fortuna e mantém-se da advocacia.Na segunda fase, o moço reencontra Guiomar. Dela dirá, tal como Bentinho26 anos <strong>de</strong>pois a respeito <strong>de</strong> Capitu: “A Guiomar que ele conhecera eamara era o embrião da Guiomar <strong>de</strong> hoje, o esboço do painel agora perfeito.” 15Vai amá-la <strong>de</strong> novo – como se fosse possível amar duas vezes a mesma pessoa– tentando recuperar o passado, pois “havia uma faísca <strong>de</strong>baixo da cinza e essabastava para repetir o incêndio”. A tentativa é similar à <strong>de</strong> Bentinho, porémcom as cores românticas: este ama Capitu antes e <strong>de</strong>pois do seminário. O “seminário”<strong>de</strong> Estêvão é a Escola <strong>de</strong> Direito, em que, opondo-se ao seminário,todas as “<strong>de</strong>vassidões” eram permitidas.No entanto, nessa volta, Guiomar confirma a antiga rejeição. Mas ele a ama,e isso basta. É feliz, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que possa vê-la e respirar o mesmo ar que ela. Retoma-se,<strong>de</strong>ssa forma, o mo<strong>de</strong>lo wertheriano: amor repelido é amor multiplicado,diz Machado em uma das histórias <strong>de</strong> Contos Fluminenses. É próprio do covar<strong>de</strong>iludir-se. O moço confessa sua paixão e é novamente repelido. Retorna àidéia inicial do suicídio. Com essa idéia, na noite do casamento, posta-se àfrente da casa festiva <strong>de</strong> Guiomar e sente “a voluptuosida<strong>de</strong> da dor”. Pensa emmatar-se ali mesmo para causar remorsos aos que o fizeram sofrer (leia-se “osnubentes”). Assim Machado complementa criticamente os ingredientes dapersonagem do wertherianismo extemporâneo: o complexo <strong>de</strong> suicídio – simultaneamentenobreza e escárnio – como diria Barthes. 1614 ASSIS, Machado <strong>de</strong>. A Mão e a Luva.Op. cit., pp. 26-27.15 ASSIS, Machado <strong>de</strong>. A Mão e a Luva.Op. cit., p. 45.16 BARTHES, Roland. Fragmentos <strong>de</strong> um Discurso Amoroso. Idéias <strong>de</strong> suicídio. Op. cit., p. 185.268

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