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Prosa - Academia Brasileira de Letras

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Affonso Romano <strong>de</strong> Sant’Annaproce<strong>de</strong>nte num caso ou noutro, revela antes <strong>de</strong> tudo um tipo <strong>de</strong> leitura quenão é a mais apropriada para um texto <strong>de</strong> Machado. Ler assim é insistir em nãoler Machado, porque o que sua escrita muita vez <strong>de</strong>seja é apagar a escrita i<strong>de</strong>ológicacorroendo-a com jogos <strong>de</strong> estranhamentos.Talvez mais pertinente fosse remeter esse tipo <strong>de</strong> procedimento estilísticopara o sistema geral da obra, incorporando-o ao eixo interpretativo da estruturaromanesca em Machado. Mais vale <strong>de</strong>stacar aí a subversão da i<strong>de</strong>ologia dacomunida<strong>de</strong> e não referendum às verda<strong>de</strong>s cotidianas, numa atitu<strong>de</strong> antitética <strong>de</strong>senvolvidapela narrativa <strong>de</strong> estrutura simples, sempre empenhada em endossara “sabedoria” do homem médio através das frases feitas como “o crime nãocompensa”, “Deus ajuda quem madruga”, “quem tudo quer tudo per<strong>de</strong>”, etc.A oposição à verda<strong>de</strong> da comunida<strong>de</strong> é exercida no nível da linguagem namedida em que sua língua se diversifica da língua comum através <strong>de</strong> estranhamentos.Ao proce<strong>de</strong>r assim, está se <strong>de</strong>stacando da langue geral e introduzindosua parole, <strong>de</strong>scentrando-se das consuetúdines para centrar-se numa proposiçãoque por sua natureza corre o perigo <strong>de</strong> ser recusada, mas que é a sua legítimaexpressão. Nesse sentido, a coerência machadiana comprova-se não somenteno nível da frase e através do enfoque estilístico, mas exibe-se na própria maneiracomo <strong>de</strong>senvolve seus temas: <strong>de</strong> maneira distinta dos trilhos cotidianos aponto <strong>de</strong> contestar os elementos básicos da socieda<strong>de</strong>, que são a verda<strong>de</strong> e amentira, a sandice e a razão.Tanto em Plácido (Esaú e Jacó) quanto em Simão Bacamarte (O Alienista),como em Quincas Borba e Brás Cubas, a temática da loucura conjugada com a razãose entreabre <strong>de</strong> modo complexo e insólito. Deixando <strong>de</strong> opor esses elementoscomo inconciliáveis, como quer o mo<strong>de</strong>lo i<strong>de</strong>ológico, ele mostra a relativida<strong>de</strong><strong>de</strong> um e outro, configurando a loucura da razão e as razões da loucura,sem optar maniqueisticamente por um dos elementos em torno da barra,pois sabe que ambos os termos da proporção estão contaminados por <strong>de</strong>finiçõesi<strong>de</strong>ológicas das quais procura se afastar. O que faz, então, é estranhar osconceitos cotidianos, a i<strong>de</strong>ologia vigente. E esse estranhamento não sendo esporádico,mas sistemático, acaba por se dar em todos os níveis da análise.128

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