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Prosa - Academia Brasileira de Letras

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Narradores do ocaso da monarquia“Eh! Olá! Pare, homem”, “Que distração é essa?”. “A” acaba convidando o colegaa ler, juntos, o discurso do <strong>de</strong>putado Martinho Campos, escravocrata <strong>de</strong>truz, então com a bossa <strong>de</strong> discursar sobre os vícios do parlamentarismo.Enfim, as personagens <strong>de</strong>ssa série são, <strong>de</strong> fato, figurações <strong>de</strong> leitores das folhas,em especial da própria Gazeta. 18Se o jogo ficcional agora passava a ser a idéia <strong>de</strong> reprodução, pelo narrador,<strong>de</strong> diálogos entre leitores das folhas, também era verda<strong>de</strong> que tal narrador,apelidado João das Regras, exercia a prerrogativa <strong>de</strong> escolher o que transcrever.A inspiração para o pseudônimo <strong>de</strong>ve ter sido o João das Regras que viveu noséculo XIV, época <strong>de</strong> D. João I, a quem servia esforçando-se para fazer retornarà Coroa prerrogativas e direitos perdidos para a nobreza e o clero. Em outraspalavras, João das Regras aparece nos compêndios e dicionários <strong>de</strong> história<strong>de</strong> Portugal como um dos construtores ou i<strong>de</strong>ólogos do absolutismo monárquiconaquele país. Uma referência à personagem, localizada ao acaso numdiscurso <strong>de</strong> Paulino José Soares <strong>de</strong> Souza durante os <strong>de</strong>bates parlamentaresque resultariam na lei <strong>de</strong> 28 <strong>de</strong> setembro <strong>de</strong> 1871, a chamada Lei do VentreLivre, confirma esse modo <strong>de</strong> interpretar tal alusão. Paulino li<strong>de</strong>rava à época adissidência conservadora contrária à aprovação do projeto <strong>de</strong> lei sobre a liberda<strong>de</strong>dos nascituros, argumentando, entre outras cousas, que a iniciativa contrariavaa opinião pública – isto é, contrariava os interesses dos gran<strong>de</strong>s cafeicultoresdo Vale do Paraíba –, logo caracterizava um abuso, pelo imperador,das prerrogativas do Po<strong>de</strong>r Mo<strong>de</strong>rador. Além disso, prosseguia, usurpava direitos<strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> sobre escravos protegidos pela constituição imperial.Em certo momento <strong>de</strong> seu arrazoado, Paulino citou João das Regras e os seusesforços para fazer “reverter gradualmente à coroa” os bens da nobreza, “sempreque lhe parecesse”; em seguida observava que aquele era, “porém, o tempoem que o rei foi a lei viva sobre a terra, e a sua vonta<strong>de</strong> a expressão jurídica”. O18 “A” e “B”, leitores em diálogo, <strong>de</strong>ve remeter a Di<strong>de</strong>rot, Supplément au Voyage <strong>de</strong> Bougainville ou Dialogueentre A. et B., Paris, Garnier-Flammarion, 1972 (publicado originalmente em 1772). Tanto na série <strong>de</strong>Machado quanto no texto <strong>de</strong> Di<strong>de</strong>rot, “A” e “B” começam a sua conversa falando sobre aimprevisibilida<strong>de</strong> do tempo (clima), sugerindo metáforas sobre o sentido da seqüência do diálogo.309

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