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Prosa - Academia Brasileira de Letras

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Narradores do ocaso da monarquiafazer o narrador expor com sincerida<strong>de</strong> a própria subjetivida<strong>de</strong>: não é pelomotivo <strong>de</strong> não ir a touradas que ele não podia dar opinião sobre elas; afinal, diziaManassés, “eu não preciso ver a guerra para <strong>de</strong>testá-la”. Se há mesmo, naprópria concepção da série, essa coexistência dialética entre a busca do discursoelevado e a infiltração dos elementos que permitem miná-lo, então ela se repeteno pseudônimo escolhido, “Manassés”. O nome aparece no Gênesis, conferidoao precursor <strong>de</strong> uma das 12 tribos <strong>de</strong> Israel. Desse modo, o narrador dasérie recebia apelido <strong>de</strong> personagem bíblica ligada às origens da civilização oci<strong>de</strong>ntal,elevando-se <strong>de</strong> novo diante do leitor, imbuído que estava da autorida<strong>de</strong>da referência ancestral, da condição <strong>de</strong> testemunha simbólica <strong>de</strong> tempos imemoriais.Todavia, segundo o significado etimológico da palavra <strong>de</strong> origem hebraica,Manassés é “aquele que faz esquecer”, ou “fazendo esquecer”. Ou seja,o historiador da quinzena, compilador dos fatos, tornava-se também aqueleque produzia o esquecimento, aparecendo outra vez, por conseguinte, a estratégia<strong>de</strong> dotar o discurso <strong>de</strong> um sentido transparente às vezes inverso ao quepo<strong>de</strong>riam sugerir outros elementos também presentes nele.Já se vê que o paradigma narrativo da “História <strong>de</strong> Quinze Dias” é mui radicalmentediverso daquele <strong>de</strong> “Comentários da Semana”, e sem dúvida maispróximo das várias séries <strong>de</strong> crônicas que Machado continuaria a escrever nasduas décadas seguintes. Verda<strong>de</strong> que aqui, como lá nos “Comentários”, fala-se<strong>de</strong> quase tudo que estava à baila no tempo: crise política na Turquia, teatro lírico,teatro <strong>de</strong> varieda<strong>de</strong>s, literatura, emancipação dos escravos, políticos, eleições,câmaras, anúncios, imprensa... Fala-se até, com certa recorrência, da falta<strong>de</strong> assunto para escrever a crônica, tema que na realida<strong>de</strong> dá mote a muita crônica,naquela época como na nossa. Enfim, uma poeira <strong>de</strong> assuntos, cujos nexos<strong>de</strong>safiam a compreensão do leitor hodierno. Aproximar-se <strong>de</strong> tais nexos<strong>de</strong>pen<strong>de</strong> do acesso ao próprio periódico em que os textos apareceram, ou dautilização <strong>de</strong> uma edição criteriosamente anotada da série. De qualquer modo,está claro que em “História <strong>de</strong> Quinze Dias”, ao contrário <strong>de</strong> “Comentáriosda Semana”, há um narrador-personagem plenamente constituído segundo ascircunstâncias da crônica enquanto gênero narrativo específico, com conteú-299

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