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Prosa - Academia Brasileira de Letras

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J. Mattoso Câmara Jr.A literatura se integra naturalmente nesta última, como logo transparece doseu nome, <strong>de</strong>rivado do latim littera, isto é, “letra”. Apesar do reconhecimento<strong>de</strong> haver um objetivo <strong>de</strong> arte em muitas manifestações lingüísticas orais, nopassado e mesmo no presente oci<strong>de</strong>ntal através da ativida<strong>de</strong> folclórica (o que<strong>de</strong>terminou a expressão, contraditória em seus termos, “literatura oral”), aconceituação <strong>de</strong> literatura, em seu sentido usual, é <strong>de</strong> um corpus <strong>de</strong> textos. Até apoesia, que se fundamenta no ritmo da enunciação, é concebida comumentepelo prisma da linguagem escrita: enten<strong>de</strong>-se o verso como uma “linha” contínuano papel, e chega-se a consi<strong>de</strong>rar um verso único duas ou três frases métricasescritas em seguimento, como fez Olavo Bilac, que julgou ter criado umverso <strong>de</strong> catorze sílabas alinhando por esse processo três tetrassílabos. 2Ora, o enquadramento da obra literária na linguagem escrita acarreta umaconseqüência <strong>de</strong> vulto, resultante do caráter básico <strong>de</strong>sse tipo <strong>de</strong> linguagem emface da linguagem oral.A gran<strong>de</strong> diferença entre uma e outra não é a rigor o aspecto visual da primeirae o auditivo da segunda, como po<strong>de</strong>ria parecer numa apreciação perfunctória.Na verda<strong>de</strong> não há leitura rigidamente silenciosa, isto é, feita exclusivamentecom os olhos, e dá-se uma audição mental, que reintroduz na literaturaos sons através das letras e as pausas e o jogo tonal através da pontuação. Aeste respeito as duas linguagens acabam por encontrar-se. O que as distingue,porém, inapelavelmente, são as condições específicas em que se realizam. Alinguagem oral é um intercurso entre um falante e um ou mais ouvintes <strong>de</strong>ntro<strong>de</strong> uma situação <strong>de</strong>finida, numa sala, numa rua, num veículo e assim por diante.São esse ouvinte e essa situação, cujos conceitos tão bem souberam formularteoristas como Bally e Gardiner, 3 que <strong>de</strong>saparecem na linguagem escrita em2 No soneto “Cantilena” <strong>de</strong> A Tar<strong>de</strong>:“Quando as estrelas / morrem na tar<strong>de</strong> / morre a esperança” – Etc. (Poesias. Rio: 1922. p. 369).3 Cf. o que se diz em Princípios <strong>de</strong> Lingüística Geral. Rio: 1959. p. 106: “O que <strong>de</strong>ci<strong>de</strong> a divisãointerpretativa num caso <strong>de</strong>stes” (fr. si je la prends ou si je l’apprends) “são dois fatores exteriores à frase ainterpretar: 1) o ambiente lingüístico on<strong>de</strong> ela se acha, que é o contexto; 2) o ambiente físico e socialon<strong>de</strong> ela é enunciada, que é a situação (...) O discurso escrito, que é um ersatz do genuíno discurso – ooral ou fala –, conserva o fator contexto, mas per<strong>de</strong> o fator situação (...)”.216

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