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Prosa - Academia Brasileira de Letras

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Affonso Romano <strong>de</strong> Sant’AnnaEntrevista a narrativa como a arte <strong>de</strong> jogar criticamente o próprio jogo daescrita, po<strong>de</strong>-se enten<strong>de</strong>r, <strong>de</strong> um modo diverso daqueles até hoje apontados, amaneira como Machado constrói seus personagens. E dizer: ver aquela pecha<strong>de</strong> que ele faz tipos <strong>de</strong>svinculados da vida política e social, autor que não criariatipos típicos, como quereria a estética <strong>de</strong> Lukács: personagens vadios, homensaposentados, her<strong>de</strong>iros inconscientes <strong>de</strong> heranças misteriosas, mulherespresas ao jogo social e doméstico. Muita vez se repetiu que os personagens machadianosnão têm emprego nem muitas obrigações com o produto nacionalbruto do país. Vivem na Europa, apresentam-se em reuniões infindáveis numcomportamento puramente verbal ou verboso da vida. A vida passa e elestão-somente conversam seu <strong>de</strong>spreocupado bate-papo filosofante.Perseguindo essas observações para divergir, outros críticos procuram <strong>de</strong>monstraro contrário: a sutileza da “participação” machadiana. O que ocorretanto com os acusadores quanto com os <strong>de</strong>fensores é que inconscientementetornam-se eles mesmos atores dramatizando a mesma estrutura que Machado<strong>de</strong>nunciava e que ilustrou através <strong>de</strong> personagens como Plácido: a querela entreos que achavam que os sentidos correspondiam às vogais e aqueles queviam a correspondência entre as vogais e os sentidos (cap. 82). Não seria ocaso <strong>de</strong> se procurar, digamos, machadianamente, uma visão terceira que conjugasseos elementos <strong>de</strong> forma mais lúdica? Não é a sua narrativa um afastamentodo i<strong>de</strong>ológico por inversão? Não há aí a recusa do suporte histórico e míticoou a sua utilização apenas aspectualmente? Não tem a obra <strong>de</strong> Machado referentesinternos muito mais estruturantes do que os externos?Parece que Machado quis sempre se colocar ludicamente além da barra quesepara o sim e o não. Assim, <strong>de</strong>scentra-se da i<strong>de</strong>ologia e cria um mundo quepouco <strong>de</strong>ve à realida<strong>de</strong> cotidiana e aparente. Não estranha, portanto, quecomo ancestral da linha que veio dar em Jorge Luis Borges tivesse certa preferênciapor apólogos e parábolas em que seus personagens não sejam protótiposou típicos, parecendo muito mais alegorias ou elementos que ele articulasobre um impon<strong>de</strong>rável tabuleiro. Tome-se não apenas Quincas Borba, on<strong>de</strong> afábula se mo<strong>de</strong>rniza e torna-se mais complexa com as figuras do homem e do132

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