13.07.2015 Views

Prosa - Academia Brasileira de Letras

Prosa - Academia Brasileira de Letras

Prosa - Academia Brasileira de Letras

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

Marta Spagnuolodos. O único que fará Machado é o que <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>clara haver feito, na “Advertência”ao Memorial: selecionar uma parte relativa a dois anos, podá-la, <strong>de</strong>sbastá-la,fazê-la concisa, conservando “só o que liga o mesmo assunto”. Em suma,Machado está jogando com o tema do duplo.Claro que não adianta repetir que Aires é o alter ego <strong>de</strong> Machado ou que Machadoé Aires. A crítica o disse sempre, e, segundo é corrente, também o próprioMachado. Ainda assim, não <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser uma metáfora inspirada nas referênciasautobiográficas que permitem ver ambos os romances, tema que nãoconsi<strong>de</strong>ro esgotado nem neles nem em toda a sua obra, na qual se po<strong>de</strong> ler umaconstante que prefigura Aires. Mas aqui só esboçarei em linhas gerais comoMachado constrói o seu duplo. Esse Aires é um ar que vai e vem <strong>de</strong>ntro da cabeçacriadora <strong>de</strong> Machado, uma alterida<strong>de</strong> que chega a corporizar-se e até se sentapara escrever na sua própria secretária (na <strong>de</strong> Machado) tratando <strong>de</strong> substituí-lo.Na secretária on<strong>de</strong> se lhe acharam sete ca<strong>de</strong>rnos manuscritos que lhe pertencem,pois ainda que o último tenha sido escrito por ele, leva o carimbo <strong>de</strong>seu ponto <strong>de</strong> vista, que conseguiu impor em alto grau a seu próprio criador.Assim, Último, aplicado a Esaú e Jacó, significaria mais ainda: a última reclusão <strong>de</strong>um autor para escrever um romance, “narrativa ou história escrita com umpensamento interior e único”, que, ainda sendo em parte o <strong>de</strong> seu duplo, pô<strong>de</strong>controlar graças a seu ofício <strong>de</strong> tramador <strong>de</strong> histórias. Pois a obra seguinte seriaapenas um “diário <strong>de</strong> lembranças” tão íntimas do duplo, que o próprio M.<strong>de</strong> A. não podia modificar dando-lhe uma forma literária “genérica”, mas sóencurtar. Isso indicaria que, quando o Conselheiro Aires faleceu, <strong>de</strong>ixou Machadosem sua meta<strong>de</strong>, incompleto, sem recursos para “inventar” nada. O queé uma forma <strong>de</strong> matar, similar à dos duplos românticos, que, ao morrer, matama sua outra entida<strong>de</strong>. Ainda que aqui valha por uma morte amável e consentida<strong>de</strong> bom grado. Mais do que morte, uma transubstanciação. Como seMachado, acarinhado com Aires, assumisse seu lado mais sensível e a ele seabandonasse no Memorial.Mas em Esaú e Jacó, se Aires é mais belo, mais sociável, mais simpático que “ooutro”, nem por isso é menos diabólico. Soterrada está a luta entre o bem e o82

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!