13.07.2015 Views

Prosa - Academia Brasileira de Letras

Prosa - Academia Brasileira de Letras

Prosa - Academia Brasileira de Letras

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

Lêdo Ivopossessão terrestre e na abrangência, Machado <strong>de</strong> Assis abriu, em nossa literatura,um caminho <strong>de</strong> dissidência que ainda hoje avança. A forma <strong>de</strong> romanceque ele cultivou colidia com uma consolidada tradição <strong>de</strong> inteireza e totalida<strong>de</strong>– e essa colisão prossegue, tornando-o contemporâneo da inquietação estéticados nossos dias. Os seus mo<strong>de</strong>los literários favoritos não foram WalterScott ou Balzac, Dickens ou Zola. Administrador sábio <strong>de</strong> seus dons genuínos,e dotado <strong>de</strong> uma certeira visão crítica <strong>de</strong> suas possibilida<strong>de</strong>s pessoais a que nãofaltava uma nota compulsiva, ele se utilizou <strong>de</strong> formas <strong>de</strong> narração e composiçãodo século XVIII. Recuou para avançar. Na noite romanesca já finda, buscouas luzes <strong>de</strong> sua alvorada.À efusão, à grandiosida<strong>de</strong> e ao transbordamento da ficção romântica <strong>de</strong>Balzac, Victor Hugo e George Sand, preferiu o conto filosófico <strong>de</strong> Voltaire eDi<strong>de</strong>rot e a ambígua e digressiva prosa ficcional da Xavier <strong>de</strong> Maistre. Essa inclinaçãonatural <strong>de</strong> seu espírito <strong>de</strong> narrador breve e parco, que prefere a intensida<strong>de</strong>à fluência generosa ou <strong>de</strong>sabrida, completa-se com uma eleição fundamental:a <strong>de</strong> Sterne, lido em francês, nos dois volumes <strong>de</strong> Tristram Shandy e LeVoyage Sentimental (edição Garnier), que ora tenho diante <strong>de</strong> mim.Desses cultores <strong>de</strong> romance anterior aos mo<strong>de</strong>los majestosos consagradospelo século XIX Machado <strong>de</strong> Assis apren<strong>de</strong>u a lição suprema da alusão e dafragmentarieda<strong>de</strong>, da ironia sucessiva e da <strong>de</strong>scontinuida<strong>de</strong> psicológica, da fulguraçãoanedótica e da tensão lingüística pronta a reclamar do leitor a pausareverente. E, na medida em que os mo<strong>de</strong>los por ele escolhidos oferecem a discussãoda própria genuinida<strong>de</strong> do gênero, Machado <strong>de</strong> Assis engasta em suaobra, no iluminado espaço precursor dos seus contos e romances, a propostada discussão crítica da forma adotada. Mas se impõe não esquecer que a suaposição heterodoxa e até soberbamente marginal <strong>de</strong> escritor que se abeberouem fontes privilegiadas <strong>de</strong> experimentação romanesca extrapola sua condição<strong>de</strong> ficcionista. Ela o abarca inteiro, conferindo-lhe a coerência <strong>de</strong>finitiva.A<strong>de</strong>pto <strong>de</strong> uma criação literária e poética que seja uma construção e nãouma efusão – ou melhor, que seja a construção <strong>de</strong> uma efusão, incumbindo-seo autor <strong>de</strong> compor e organizar a emoção a ser experimentada pelo leitor –,20

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!