13.07.2015 Views

Prosa - Academia Brasileira de Letras

Prosa - Academia Brasileira de Letras

Prosa - Academia Brasileira de Letras

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

Um retalho <strong>de</strong> impalpávelcrime envolvendo pouco dinheiro (“sujar-se magro”) con<strong>de</strong>naçãocrime envolvendo muito dinheiro (“sujar-se gordo”) absolvição.É nos binômios sujar-se magro/con<strong>de</strong>nação e sujar-se gordo/absolviçãoque repousa a tese em torno da qual o conto se estrutura. A mesma concepçãoaparece noutra crônica da Gazeta <strong>de</strong> Notícias, em que Machado comenta en passanto furto <strong>de</strong> um guarda-chuva:“Furtar po<strong>de</strong> não ser punido em todos os casos; mas em muitos o é.Nunca há <strong>de</strong> esquecer um sujeito que, com o pretexto (aliás honesto) <strong>de</strong> estarchovendo, levou um guarda-chuva que vira à porta <strong>de</strong> uma loja; o júriprovou-lhe que a proprieda<strong>de</strong> é coisa sagrada, ao menos sob a forma <strong>de</strong> umguarda-chuva, e con<strong>de</strong>nou-o a não sei quantos meses <strong>de</strong> prisão.” 30O fragmento corrobora o mote do conto, baseado na compreensão <strong>de</strong> quesituações análogas – no caso, crimes <strong>de</strong> mesma natureza – estão sujeitas, comperigosa freqüência, a critérios <strong>de</strong> avaliação distintos e temerários, condicionadospor variáveis que subvertem os fundamentos da justiça legítima e igualitária.O juízo dúbio que daí resulta guarda estreita conexão com a verda<strong>de</strong> esquivae claudicante que a trama escamoteia.As questões se entremeiam sem que a narrativa se ocupe em esclarecê-las <strong>de</strong>forma cabal. Antonio Carlos Secchin salienta que a ficção machadiana trabalha“à contracorrente do peremptório, na esfera ambígua das <strong>de</strong>clarações aproximativas”,configurando-se como “discurso que alu<strong>de</strong> e eli<strong>de</strong>”. 31 Acrescente-seque a narrativa prismática e especular <strong>de</strong> “Suje-se gordo!” ilu<strong>de</strong> e ili<strong>de</strong> a simesma, <strong>de</strong> forma oblíqua e dissimulada, <strong>de</strong>ixando eventuais conclusões, emúltima instância, a cargo do leitor, cuja participação é convocada já na “Adver-30 ASSIS, Machado <strong>de</strong>. Crônica n. o 37 (1. o <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1893). In: A Semana (org. John Gledson).São Paulo: Hucitec, 1995. p. 174.31 SECCHIN, Antonio Carlos. “Cantiga <strong>de</strong> esposais” e “Um homem célebre”: estudo comparativo.In: Poesia e Desor<strong>de</strong>m. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Topbooks, 1996. p. 195.247

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!