REPORTAGEM CABRAIS, O ALBERGUE POSSÍVEL PARA AS VÍTIMAS DAS CHEIAS EM BENGUELA DRAMA DA POBREZA VISTO DE UM CENTRO DE SAÚDE A região que recebeu os cerca de dois mil sinistrados daquela que é tida como a maior enxurrada das últimas décadas ganhou uma unidade sanitária, ainda que por equipar, mas as queixas face aos sinais de penúria suplantaram a festa. Quando várias famílias preferem regressar às antigas zonas, colocando as vidas em risco, parece tudo dito. Organizações internacionais, como a USAID e a ADPP, constataram o drama Texto e Fotos: João Marcos - Em Benguela 32 Figuras&Negócios - Nº 200 - MAIO 2019
REPORTAGEM Resultado da fusão de terrenos agrícolas, a localidade dos Cabrais, onde se encontram as vítimas das cheias de Março de 2015 em Benguela, voltou a ser vista no mapa de Angola aquando da inauguração, recentemente, de um centro de saúde, num acto que descortinou dramas motivados pela falta de alimentos, electricidade, água e transporte. À chegada dos financiadores, a Agência Americana para o Desenvolvimento Internacional (USAID), Associação das Companhias Exploradoras de Petróleo de Angola (ACEP) e ADPP, ouviu-se um grito de satisfação pelos indicadores de melhorias na saúde, mas cedo se percebeu que este sentimento acabou diluído nas denúncias relativas a condições que forçam a fuga de famílias. Quem sobreviveu a enxurradas que provocaram cerca de 70 mortos, principalmente no Lobito, prefere, segundo relatos captados pela nossa reportagem, regressar às chamadas zonas de risco, de onde o Governo Provincial tenciona retirar centenas de famílias, prevendo que venham a ser construídas mil e setecentas casas sociais. Fixado em 350 há quatro anos, no calor da agitação própria de um complexo processo de mudança, o número de famílias sinistradas à espera de casas nos Cabrais, entre 50 a 80 quilómetros do Lobito e Catumbela, está, portanto, a baixar. ‘’Estamos mal, não há casas, muitos já não vivem aqui por causa do sofrimento’’, conta a jovem Silvina Cassinda, na primeira resposta às perguntas sobre o modo de vida numa região que ‘’não consegue esconder’’ o espectro de abandono. As mães, prossegue Cassinda, vão às matas cortar pau para fazer carvão, muito por conta da falta de um mercado. ‘’As tendas estão estragadas, continuamos a pedir que o Governo acabe as nossas casas. Muitos voltaram Representantes da ADPP, USAID e ACEP e o governador no local do drama “ Quem sobreviveu a enxurradas que provocaram cerca de 70 mortos, principalmente no Lobito, prefere, segundo relatos captados pela nossa reportagem, regressar às chamadas zonas de risco, de onde o Governo Provincial tenciona retirar centenas de famílias, prevendo que venham a ser construídas mil e setecentas casas sociais “ para as zonas de risco, também porque, às vezes, não há comida’’, lamenta, a escassos metros, outra senhora, Domingas Daniel. A estes relatos, junta-se o de Manuel Domingos, um cidadão que alerta para o perigo vigente numa área assolada já pela malária, doenças diarréicas agudas e respiratórias e a sarna. ‘’A minha tenda, por exemplo, está rota, as famílias estão a sofrer. Sem luz, sem mosquiteiros, há muita cobra perigosa. O Governo tem de ver o problema das nossas casas’’, solicita. Tempo de estratégias para o dia seguinte - Inaugurado o centro de saúde, a USAID, segundo Julie Nenon, olha já para os desafios do amanhã, que passarão pelo apetrechamento, a cargo, como definido, do Governo Provincial de Benguela. Daí que a representante da agência americana tivesse falado em fase número três, para a qual as autoridades locais terão de levar as mãos aos bolsos, sem que, no entanto, se exclua a contribuição dos seus parceiros. ‘’Nada impede a participação de organizações não governamentais e do sector privado. Esta infra-estrutura precisa de algo mais’’, vinca Julie. Na sua intervenção, o governa- Figuras&Negócios - Nº 201 - JUNHO 2019 33