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F&N #201

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CULTURA<br />

Você pegou hoje o resultado<br />

do exame<br />

para identificar de<br />

onde vieram seus antepassados.<br />

Qual foi<br />

o resultado?<br />

Benin. E é uma região que a<br />

gente conhece muito pouco. Eu fico<br />

triste de saber tão pouco sobre esse<br />

lugar. As escolas contam como se o<br />

continente africano fosse um país só.<br />

Você tinha algum indício, algum<br />

chute, de que sua família vinha de lá?<br />

Não. Eu lembro, agora, que há<br />

muitos anos um estudioso me disse<br />

que, pelos meus traços, pelo meu<br />

olho puxado, eu poderia ser de Benin.<br />

Mas eu não tinha ideia.<br />

Como você fez esse teste?<br />

Eu fiz dentro de uma pesquisa da<br />

UFRJ. Nela, é possível identificar de<br />

qual região nos originamos de maneira<br />

predominante. Não consigo ver<br />

o percentual, nem o quanto se deve<br />

ao lado materno ou paterno, mas<br />

tenho como saber que, maioritariamente,<br />

minha família veio de Benin.<br />

O teste era a primeira fase da<br />

pesquisa e envolveu cerca de 600<br />

pessoas. Todas voluntárias, e o exame<br />

foi gratuito. Agora, só 19 dessas<br />

pessoas vão participar da segunda<br />

fase, porque só essas veem de países<br />

que são o objecto de estudo da pesquisa.<br />

Quem quiser ainda tem como<br />

participar desse estudo e fazer a<br />

análise de DNA?<br />

Não, a pesquisadora que está à<br />

frente me disse que agora acabou a<br />

verba para a pesquisa e não vai dar<br />

para continuar. Ela disse que até gostaria<br />

de chamar outras pessoas da<br />

minha família, para fazer uma análise<br />

mais completa. Mas não tem mais<br />

verba.<br />

Quando o teste foi realizado?<br />

Uma semana antes do confinamento<br />

para o BBB. Cheguei até a comentar<br />

sobre esse assunto dentro da<br />

casa. O resultado saiu, inclusive, enquanto<br />

eu ainda estava no programa.<br />

Mas só hoje eu consegui buscar.<br />

E é uma data simbólica, 13 de<br />

maio, o dia da abolição da escravidão<br />

no Brasil.<br />

Sim, é uma data simbólica, que a<br />

gente não comemora. É uma data de<br />

reflexão. Não tem como comemorar.<br />

Passamos por um processo histórico<br />

de apagar esse lado perverso, que foi<br />

a escravidão, como se ela não tivesse<br />

existido. A gente hoje estampa estatísticas<br />

de discriminação, de homicídio<br />

todos os dias. Não houve e não há<br />

um projeto de Estado que considere<br />

negros em paridade com brancos. A<br />

população negra nem sequer sabe<br />

o seu real nome, por ter sido rebatizada<br />

em outros países. E qualquer<br />

nomenclatura relacionada à cultura<br />

africana acabou sendo renomeada<br />

para assumir uma identidade cristã.<br />

“<br />

A população negra<br />

nem sequer sabe o seu real<br />

nome, por ter sido rebaptizada<br />

em outros países.<br />

E qualquer nomenclatura<br />

relacionada à cultura africana<br />

acabou sendo renomeada<br />

para assumir uma<br />

identidade cristã<br />

“<br />

O que você sentiu quando recebeu<br />

o resultado do teste nas<br />

mãos?<br />

Estou até agora emocionado... E<br />

é tão simbólico hoje... É muito triste<br />

você não saber a sua raiz. E é muito<br />

triste o porquê de a gente não saber.<br />

Eu sinto um misto de alegria<br />

e tristeza. Porque é emocionante,<br />

depois de 41 anos, finalmente saber<br />

minha ancestralidade. Mas, ao<br />

mesmo tempo, quem é que sabe?<br />

Quem tem como fazer uma análise<br />

de DNA?<br />

Você tinha há muito tempo<br />

vontade de fazer essa análise?<br />

Eu sempre tive curiosidade,<br />

sempre quis saber. É um exame<br />

caro. Eu já tinha pesquisado e vi<br />

que custaria de R$ 2 mil a R$ 4 mil.<br />

Você tem planos de visitar<br />

Benin?<br />

Ainda este ano. Eu vou dar meu<br />

jeito. Ainda no segundo semestre,<br />

vou a Benin. Eu preciso. Quero ir<br />

com a minha mãe.<br />

Na sua opinião, esse conhecimento<br />

sobre a ancestralidade<br />

muda a percepção que se tem da<br />

própria identidade?<br />

Sim, vai ter até comemoração na<br />

minha família, porque hoje a gente<br />

tem certeza (sobre a ancestralidade).<br />

Hoje temos algo concreto, é dia<br />

de comemorar. A gente sabe o nosso<br />

ponto de partida. Quando eu era<br />

criança, ouvia colegas de classe dizendo<br />

que o avô era italiano, português...<br />

e eu não tinha o que dizer. Eu<br />

não fazia ideia. Agora, dá uma sensação<br />

de orgulho, de honra. Eu sinto<br />

que preciso entender essa cultura,<br />

preciso conhecer Benin e seu povo.<br />

Eu quero hoje ser um porta-voz da<br />

cultura africana.<br />

E para os outros, especialmente<br />

para brancos, que costumam saber<br />

de onde os avós, bisavós vieram, é<br />

importante ter essa percepção também,<br />

não é? De que isso não é algo<br />

natural, dado. Que, para muitos, saber<br />

isso não é automático.<br />

É muito importante a gente ter<br />

consciência dos nossos privilégios,<br />

sejam eles quais forem. Eu tenho<br />

consciência de que sou privilegiado<br />

academicamente, financeiramente.<br />

E isso faz com que eu olhe<br />

para os outros não com ar superior,<br />

mas com entendimento. Quem sabe<br />

da sua ancestralidade tem que ter<br />

consciência disso, de que isso é um<br />

privilégio.<br />

Ajuda a desenvolver empatia<br />

também...<br />

Exacto, empatia. Quando a gente<br />

não tem essa consciência, a gente<br />

desenvolve um conceito supostamente<br />

meritocrático de que o outro<br />

não faz porque não quer, de que<br />

é bobagem querer saber de onde<br />

veio, que minorias sociais reclamam<br />

muito... Como a gente vai desenvolver<br />

autoestima se não se sabe nem<br />

minimamente a origem da família,<br />

a história familiar? Por que uns sa-<br />

Figuras&Negócios - Nº 201 - JUNHO 2019 45

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