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Fazer download PDF - Fundação Cultural do Estado da Bahia

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edescobria como outro homem. Ou melhor: como um território mágico sobre oqual se derramam inesgotáveis sensações.– Às vezes penso que já estou morto para mim mesmo, para, pelo menos,95% de to<strong>do</strong> o meu passa<strong>do</strong>. Veja quantos livros já li – diz ele, mostran<strong>do</strong> sua bibliotecapara seu amigo. – Mas na<strong>da</strong>, ou quase na<strong>da</strong> me lembro deles. De formaque é como se não os tivesse li<strong>do</strong>. De que vale então haver li<strong>do</strong> tanto?O amigo diz que não é bem assim, que ele está exageran<strong>do</strong>.– Esses livros fazem parte de você, meu velho. Esses livros são você.Alberto achou graça na forma como ele falou – e vasculhou sua memóriapara lembrar qual, dentre as centenas de personagens <strong>da</strong>s obras que atulhavamsua estante, falava <strong>da</strong>quele jeito.– Gatsby!– Eu não disse? – acrescenta o amigo, com um sorriso. – Nem tu<strong>do</strong> que nãolembramos está morto dentro de nós, meu velho.Era por essas e outras que Alberto gostava de Lunaris. Lá sempre havia algointeressante para lembrar. Ou para esquecer. Porque o esquecimento é o la<strong>do</strong>oculto <strong>da</strong> lembrança, entende, meu velho?Alberto an<strong>da</strong> pela ci<strong>da</strong>de, com a cabeça baixa, mergulha<strong>do</strong> em seus pensamentos,com as mãos no bolso, mas to<strong>do</strong>s os ruí<strong>do</strong>s (<strong>do</strong>s automóveis, <strong>da</strong>spessoas, <strong>da</strong>s máquinas, <strong>do</strong> vento, <strong>do</strong>s pássaros, <strong>do</strong>s cães) lhe são estranhos. Eleé, naqueles momentos, algo que não existe, que nem tem um nome. Mas logoele lembra que precisa voltar para casa – e se acha, mais uma vez, para se perderdepois, indefini<strong>da</strong>mente.O QUARTO DA INFÂNCIA(Capítulo <strong>da</strong> novela “Noites Desertas”, ain<strong>da</strong> inédito)CARLOS RIBEIROmúsica tocava longe? Veja, ela agora parece com o ruí<strong>do</strong> <strong>do</strong> mar, lembra-se?A Era um mar noturno aquele, que vinha de longe, <strong>da</strong> escuridão profun<strong>da</strong>, comoum grito que se arrebentava em brancas espumas na beira <strong>da</strong> praia. E você podiaouvi-la muito bem, deita<strong>do</strong> com sua mãe no quarto, que era o mesmo quarto, oquarto <strong>da</strong> infância, mas que ficava num lugar diferente agora: um bairro a beira-mar que ain<strong>da</strong> permanece vivo na tua lembrança, meu amigo, enquanto segurascom força as grades <strong>do</strong> portão deste imenso hospital que se estende <strong>da</strong>qui parao passa<strong>do</strong>. Veja: você está com a sua mãe, deita<strong>do</strong> na cama, olhan<strong>do</strong> o telha<strong>do</strong>de telhas vãs e as paredes feitas com óleo de baleia, e sua mãe canta uma cançãoqualquer de ninar, enquanto você pensa: onde está meu pai? Onde está o meuirmão? E teme por eles, porque já aprendeu que a vi<strong>da</strong> é como um grande meninoque brinca com a gente como se fossem bolinhas de gude, que às vezes rolampelo bueiro, despencan<strong>do</strong> pelos canos escuros <strong>do</strong> subterrâneo e se perden<strong>do</strong> parasempre <strong>do</strong> nosso olhar – e não foi assim que aconteceu com aquele menino que44

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