12.07.2015 Views

Fazer download PDF - Fundação Cultural do Estado da Bahia

Fazer download PDF - Fundação Cultural do Estado da Bahia

Fazer download PDF - Fundação Cultural do Estado da Bahia

SHOW MORE
SHOW LESS
  • No tags were found...

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

está disposta a cair no mun<strong>do</strong>?”, ele perguntou. “Sim. Vou com você.” “Até o oco <strong>do</strong>mun<strong>do</strong>?” “Até o fim <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>”. “E se seu pai e seus irmãos nos perseguirem?” “Agente se esconde”. “Se levarem cães fareja<strong>do</strong>res?” “Não sei. Você é homem, dá umjeito”, disse Celina. “Esteja na janela”, ele instrui. “É só escorregar para a sela, nasminhas costas, e me abraçar pela cintura.” “Certo”, diz Celina. “Quan<strong>do</strong>”? “Quan<strong>do</strong>eu assoviar baixinho. Fique acor<strong>da</strong><strong>da</strong>, de prontidão.” “Sim, amor.”Lua nova. Jonas poderia ter escolhi<strong>do</strong> outra noite. Bastaria consultar o almanaque<strong>do</strong> Sur<strong>do</strong> para saber quan<strong>do</strong> viria a lua cheia, pelo menos o quarto crescente.Fugir em noite mal ilumina<strong>da</strong> é mais difícil. Mas fugir em noite de luar clarofacilita a perseguição. Melhor deixar tu<strong>do</strong> nas mãos <strong>do</strong> destino. E depois, por queesperar <strong>do</strong>is ou três quartos de lua, quan<strong>do</strong> pode ter Celina <strong>da</strong>qui a pouco, umanoite dessas, amanhã mesmo?Em casa, Regina pressente o rapto. Rapto, sim, Celina ain<strong>da</strong> não fez os dezoitoanos. Regina vê Jonas escovar as botas. Vê Jonas testar as rédeas e a bri<strong>da</strong>. VêJonas azeitar fechos e molas, lustrar couros, guar<strong>da</strong>r a mochila em que pretendelevar mantimentos de boca. Ele nunca afiou o facão de noite, é trabalho que sempredeixou para o de-manhã bem ce<strong>do</strong>.Pode ser esta noite, ela pensa. Como filha, como irmã, cabe-lhe o dever de denunciara desgraça próxima. Chegar-se ao Sur<strong>do</strong>, interromper-lhe a leitura e gritarnos ouvi<strong>do</strong>s duros: “Jonas vai fugir.” O Sur<strong>do</strong> ficaria páli<strong>do</strong> e, retiran<strong>do</strong> os óculosre<strong>do</strong>n<strong>do</strong>s com mão trêmula, manifestaria to<strong>do</strong> o seu susto e pasmo com umainterrogação: “O que você está me dizen<strong>do</strong>?” Apenas isso: que Jonas vai raptar acavalo a filha <strong>do</strong> façanhu<strong>do</strong> coronel Castro Guerra.A noite está de fato trevosa. Com a lanterna que ele acende e apaga, a intervalos,para guiar-se sem atrair muita atenção, como se leva<strong>do</strong> por um fogofátuo<strong>do</strong>s pântanos, Jonas avança devagar e cauteloso pelos <strong>do</strong>mínios de CastroGuerra. Primeiro, os bosques fecha<strong>do</strong>s de cacaueiros, com os frutos a brilharna penumbra <strong>da</strong> lua; depois, o pomar por trás <strong>da</strong> casa-grande. Desce para atarchumaços de panos nos cascos de Passarinho, de forma a reduzir o alari<strong>do</strong> <strong>da</strong>saves no poleiro ante um grasni<strong>do</strong> ocasional. E assim, aos poucos, pressenti<strong>do</strong>pelos porcos e já com os cachorros atentos, mas cala<strong>do</strong>s, entra no oitão, ondecrescem árvores de fruto – o mamoeiro, a caramboleira, o jambeiro, o abacateiro,a pitangueira, algumas laranjeiras-de-umbigo. O silêncio somente é quebra<strong>do</strong>pelos ruí<strong>do</strong>s habituais <strong>da</strong> noite, que chegam, em geral, <strong>da</strong> pocilga, <strong>do</strong> porão e<strong>do</strong> poleiro. Insetos chiam. Um que outro pio de coruja em alguma forquilha deárvore, além de morcegos em penugentos voos rasteiros.O alfanje <strong>da</strong> lua parece pender afia<strong>do</strong> sobre Jonas e sua montaria, quan<strong>do</strong>ele se aproxima <strong>da</strong> janela e puxa a rédea. Assovia baixo. Na<strong>da</strong>. Assovia outravez – e o suor que lhe alaga a testa, sob o chapéu, começa a pingar. Celinacomo que se esqueceu <strong>do</strong> trato? Mas não, mas nunca! Se teria deixa<strong>do</strong> <strong>do</strong>rmir,sem perceber? Ou os Castro Guerra, desconfia<strong>do</strong>s <strong>do</strong> seu jeito sonso, lhe teriamposto um sonífero no copo de leite e estavam agora à espreita, a mão no caboHÉLIO PÓLVORA61

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!