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Fazer download PDF - Fundação Cultural do Estado da Bahia

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dei um banho frio. Depois o levei para o quarto e lhe vesti suas próprias roupas,antigas. Penteei seu cabelo conforme me lembrava <strong>da</strong>s gravuras <strong>do</strong>s livros deescola e o instalei diante <strong>da</strong> tevê, de novo. Ele acabou a<strong>do</strong>rmecen<strong>do</strong>, e eu também,ao seu la<strong>do</strong>.Acordei com Lídia me sacudin<strong>do</strong>, enrola<strong>da</strong> num lençol.– Cadê o poeta?Saímos pelas ruas a procurá-lo, mas foi em vão. Havia muita gente tomba<strong>da</strong>pelas calça<strong>da</strong>s, <strong>do</strong>rmin<strong>do</strong>, homens em sua maioria, mas nenhum <strong>do</strong>s que incomo<strong>da</strong>mosera o poeta, que tirara suas roupas, pusera uma <strong>da</strong>s minhas e sumira.Enfim, voltamos para casa. Naquela tarde, com o fim <strong>do</strong> Carnaval, a tevêdescobriu que a estátua <strong>do</strong> poeta fora “rouba<strong>da</strong>” e começou a pisar e repisaro acontecimento. Até a garota <strong>do</strong> tempo, um autômato, falou qualquer coisacom o casal de terroristas <strong>do</strong> jornal <strong>da</strong>s oito. E por to<strong>do</strong> o país, no dia seguinte,comentava-se o desaparecimento <strong>do</strong> poeta. Oportunistas recitaram seus versosentre lágrimas, e hipócritas o elogiaram, gratuitamente, a voz embarga<strong>da</strong>. Emvárias ci<strong>da</strong>des, multidões se reuniram para homenageá-lo, estu<strong>da</strong>ntes pararam otrânsito, pais compraram seus livros para seus filhos. Até em São Paulo o críticoAlfre<strong>do</strong> Bosi deu sua pena<strong>da</strong>. Foi assim que compreendemos, Lídia e eu, que opoeta estava morto, a merecer uma estátua.MAYRANT GALLOVICTOR VHIL VAI À PRAIA(Conto retira<strong>do</strong> <strong>do</strong> livro “Brancos Reflexos ao longe”, Livro.com, 2011)Ele empurrou o portão e alcançou o jardim. Um caminho de pedra conduzia àvaran<strong>da</strong>, onde duas espreguiçadeiras repousavam desde o último verão. Aliele parou e olhou o mar. A fita azul se estendia até o horizonte, misturan<strong>do</strong>-seao céu, de um azul ain<strong>da</strong> mais sóli<strong>do</strong>. À sua direita, numa mangueira, um balançobalançava, como se alguém tivesse escapa<strong>do</strong>, mal percebeu sua aproximação.Ou era o vento. O vento que ia tocan<strong>do</strong> as folhas e fazen<strong>do</strong> viver lembrançasperdi<strong>da</strong>s em seus cabelos grisalhos. Ele abriu a porta e entrou.A casa era rústica, mas aconchegante. Os móveis pesa<strong>do</strong>s, sobre um chão delajota áspera, mais comum em fazen<strong>da</strong>s. Bom para <strong>do</strong>rmir: só dispor uma esteirae espantar o calor. Compreendeu que somente usaria a cama se não <strong>do</strong>rmissesozinho... De resto, ia <strong>da</strong>r preferência ao chão.Depois de arrumar suas roupas no armário e se certificar de que a geladeira estavavazia, Victor, esquecen<strong>do</strong>-se de sua decisão de há pouco, deitou-se na cama e<strong>do</strong>rmiu. Com o subir <strong>da</strong> noite, despertou, contraria<strong>do</strong> com o fato de que precisavair à ci<strong>da</strong>de comprar comi<strong>da</strong>. E água, alguma coisa mais forte, para compensar osmeses recentes de total abstinência alcoólica. Como lhe disse o médico: estan<strong>do</strong>ou não cura<strong>do</strong>, é preciso voltar a viver. E aferrara-se a essa possibili<strong>da</strong>de como sefosse a sua última chance sobre a Terra. Naquela casa, à beira-mar, numa praialimpa e atraente, como um jovem corpo de mulher.92

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