Dossiê Jorge Amado - Academia Brasileira de Letras
Dossiê Jorge Amado - Academia Brasileira de Letras
Dossiê Jorge Amado - Academia Brasileira de Letras
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Cem anos <strong>de</strong> <strong>Jorge</strong> <strong>Amado</strong>: Uma apresentação<br />
Nas questões <strong>de</strong> gênero, iludidos pelo recorrente estereótipo da mulata<br />
jovem, sem filhos, bonita, cheirosa e sensual que povoa os romances amadianos,<br />
por vezes os estudos <strong>de</strong>ixam <strong>de</strong> lado dois aspectos que mereciam ser<br />
consi<strong>de</strong>rados. O primeiro é que ao celebrar essas personagens, <strong>Jorge</strong> retrata<br />
gente que ele não inventou do nada, mas viu e conheceu, resolvendo dar-lhes<br />
lugar <strong>de</strong> honra em seus escritos. O segundo é que, mesmo no caso mais emblemático,<br />
o <strong>de</strong> Gabriela, cravo e canela, o que o autor retrata é mais complexo do<br />
que uma leitura apressada se limita a ver. Assim, por exemplo, é inegável que<br />
ele introduz em nossa Literatura com gran<strong>de</strong> força a noção <strong>de</strong> personagens<br />
femininas que reconhecem as sensações <strong>de</strong> seus corpos e a intensida<strong>de</strong> <strong>de</strong> seus<br />
<strong>de</strong>sejos. Gabriela não é apenas objeto do <strong>de</strong>sejo dos homens ou uma vítima ou<br />
uma ingênua sonhadora, como a maioria das personagens femininas que caracterizavam<br />
nossa Literatura, mas um ser livre que assim <strong>de</strong>seja permanecer,<br />
para fazer suas próprias escolhas sem submissão ao casamento. E, ao mesmo<br />
tempo, o livro retrata a evolução <strong>de</strong> costumes naquela socieda<strong>de</strong>, numa linhagem<br />
feminina que vai mudando. De início, o romance relembra a história <strong>de</strong><br />
Ofenísia, que vivera no século XIX, foi impedida pelo irmão <strong>de</strong> manifestar<br />
seu amor e acaba morrendo <strong>de</strong> <strong>de</strong>sgosto pela impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> seu amor<br />
platônico e proibido. Em seguida, já no exato momento em que começa o livro,<br />
em 1925, vemos o <strong>de</strong>sfecho da história <strong>de</strong> Sinhazinha, esposa do coronel<br />
Jesuíno, flagrada em adultério e morta a tiros pelo marido, ao lado do amante,<br />
bem <strong>de</strong> acordo com a moral da época: a vítima é a culpada, o assassino é o<br />
justiceiro. No capítulo seguinte, porém, surge Glória, outra mulher, amante<br />
teúda e manteúda <strong>de</strong> outro coronel, Coriolano, encerrada como prisioneira<br />
na casa da Cida<strong>de</strong>, à espera <strong>de</strong> quando ele venha da fazenda. Mas esta, ao ser<br />
flagrada traindo o senhor po<strong>de</strong>roso, enfrenta-o e vai-se embora com outro<br />
homem.<br />
É nesse contexto que se insere Gabriela, livre, alegre, sensual, atraente, naturalmente<br />
sedutora, alguém que exala prazer em todos os aspectos do corpo<br />
( forma, cor, movimentos, cheiro, voz). É jovem e linda, cozinha divinamente,<br />
gosta <strong>de</strong> andar <strong>de</strong>scalça, <strong>de</strong> dançar, rir e brincar. Um monumento vivo ao<br />
erotismo sadio. Não é apenas objeto do <strong>de</strong>sejo, mas sujeito <strong>de</strong>sejante. Ao<br />
111