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Dossiê Jorge Amado - Academia Brasileira de Letras

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Gilberto Freyre em contexto: algumas reflexões<br />

evidências <strong>de</strong> que homossexuais e bissexuais são capazes <strong>de</strong> ter relações sexuais<br />

“naturalmente, sem se sentirem culpados” e também <strong>de</strong> ocupar posições <strong>de</strong><br />

importância em certas socieda<strong>de</strong>s primitivas, que os consi<strong>de</strong>ravam indivíduos<br />

especialmente criativos, capazes <strong>de</strong> enriquecer e <strong>de</strong> diversificar suas culturas nos<br />

campos a que chamamos <strong>de</strong> Ciência, Arte e religião. A abertura inovadora <strong>de</strong><br />

Freyre em relação a um assunto que era tabu nos anos 1930 não teve seguidores<br />

durante muito tempo, pois, como James Green <strong>de</strong>monstrou, a visão moralista e<br />

patológica da homossexualida<strong>de</strong> persistiu até os anos 1970.<br />

O contexto que po<strong>de</strong> ajudar a explicar essa abertura <strong>de</strong> Freyre, e sua capacida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> discutir diferentes formas <strong>de</strong> sexualida<strong>de</strong> sem julgamentos morais, é o<br />

do profundo impacto causado por sua experiência em Oxford nos anos 1920<br />

– breve porém altamente significativa –, quando ele conviveu num ambiente<br />

homoerótico e esteve em contato próximo com o contra-discurso da sexualida<strong>de</strong>.<br />

Ao invocar Platão e a filosofia grega, esse discurso <strong>de</strong>u legitimida<strong>de</strong><br />

moral e respeitabilida<strong>de</strong> à homossexualida<strong>de</strong>, competindo com o discurso<br />

hegemônico – uma competição que alcançaria seu clímax trágico com o julgamento<br />

<strong>de</strong> Oscar Wil<strong>de</strong> no final do século XIX. Alinhado com a <strong>de</strong>fesa feita<br />

por Walter Pater <strong>de</strong> uma busca perpétua pela varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> experiências como<br />

uma filosofia <strong>de</strong> vida, chegou mesmo a querer admitir em público uma experiência<br />

muito significativa e memorável que ele teve com um jovem do mesmo<br />

sexo em Oxford – uma “breve aventura <strong>de</strong> amor, no melhor sentido do<br />

termo, sem qualquer vulgarida<strong>de</strong>”, como ele coloca. Ao tentar convencer seu<br />

editor a não cortar o testemunho, ele <strong>de</strong>screveu o episódio como “tão lírico<br />

quanto sensual”, legítimo e nobre. Freyre preconizava que envergonhar-se <strong>de</strong><br />

divergências com a “normalida<strong>de</strong> sexual” era limitar a própria vida e falhar na<br />

experiência do amor “na sua plenitu<strong>de</strong> e na sua diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> expressão”. 27<br />

Finalmente, gostaria <strong>de</strong> prosseguir a linha <strong>de</strong> argumentação <strong>de</strong> Ana Maria<br />

Machado, para quem os romances <strong>de</strong> <strong>Amado</strong> têm uma dimensão utópica, tratando<br />

da miscigenação cultural como uma contribuição mo<strong>de</strong>sta para a construção<br />

<strong>de</strong> um mundo melhor. 28 Essa era uma i<strong>de</strong>ia que Freyre apoiaria integralmente,<br />

27 M.L.G.Pallares-Burke, Gilberto Freyre, um vitoriano dos trópicos, pp. 120-139.<br />

28 A.M.Machado, pp. 139-140, passim.<br />

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