Dossiê Jorge Amado - Academia Brasileira de Letras
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Gilberto Freyre em contexto: algumas reflexões<br />
no começo da década <strong>de</strong> 1920, agora “se casava com mulatas gordas <strong>de</strong> cabelo<br />
encarapinhado” e havia sido reduzida a “gente sem dignida<strong>de</strong>”. A um amigo,<br />
ele se lamentava, à mesma época: “Por que não nasci inglês ou alemão?”<br />
A <strong>de</strong>speito <strong>de</strong> suas frustrações, Freyre estava <strong>de</strong>terminado a fazer o melhor<br />
e sua ambição, enquanto estudava fora, era preparar-se para dar uma contribuição<br />
à muito necessitada reforma do país e para enfrentar o chamado<br />
“problema racial” – convencido como ele estava <strong>de</strong> que, se as coisas não mudassem,<br />
o Brasil em breve seria completamente povoado por mestiços, com<br />
<strong>de</strong>sastrosas consequências para seu <strong>de</strong>senvolvimento.<br />
Envolvido com o “problema da raça e da mistura” enquanto nos Estados<br />
Unidos, Freyre ficou positivamente impressionado com a eficácia e a habilida<strong>de</strong><br />
com que o país estava enfrentando uma situação similar à do Brasil. Como<br />
ele observou, com admiração, as autorida<strong>de</strong>s americanas estavam-se assegurando<br />
<strong>de</strong> que apenas imigrantes do “melhor estoque” tivessem permissão para<br />
entrar no país; ao mesmo tempo, estratégias <strong>de</strong> segregação eram <strong>de</strong>fendidas e<br />
postas em prática em vários Estados, com apoio <strong>de</strong> muitos respeitáveis biólogos,<br />
psicólogos e antropólogos. Acima <strong>de</strong> tudo, o que ele testemunhou e mais<br />
admirava, era o fato <strong>de</strong> que pelo esforço da “ciência da raça para ´regenerar o<br />
mundo´, a or<strong>de</strong>m estava sendo imposta em uma socieda<strong>de</strong> que estava se tornando<br />
‘furiosamente’ (e cientificamente) intolerante para com tudo que não<br />
era distintivamente escravo ou liberto, branco ou preto”; em suma: para com<br />
qualquer coisa que contradissesse as regras <strong>de</strong> uma “socieda<strong>de</strong> orgânica” on<strong>de</strong><br />
“tudo tinha seu lugar” e seus papéis. Obcecada com a pureza, a socieda<strong>de</strong><br />
americana como um todo aceitava a one drop rule (“regra <strong>de</strong> uma única gota”)<br />
pela qual se estabelecia que não havia “lugar para um lugar intermediário...<br />
nenhum lugar que não fosse negro ou branco”. 18<br />
Originalmente parte do ethos sulista, essa “regra” era o resultado do esforço<br />
<strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> para criar uma estrutura que reduzisse seus medos, pois a<br />
Guerra Civil se aproximava e os escravos libertos eram cada vez mais vistos<br />
como uma ameaça. Assim, é compreensível que, imerso em tal ambiente, on<strong>de</strong><br />
18 J. Williamson, pp. 71-75.<br />
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