Dossiê Jorge Amado - Academia Brasileira de Letras
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O Brasil <strong>de</strong> <strong>Jorge</strong> <strong>Amado</strong><br />
movimentos messiânicos na estrutura social brasileira, o papel do jovem rico<br />
enviado a Paris, a fim <strong>de</strong> ser educado e seu <strong>de</strong>safeto pelo Brasil.<br />
Po<strong>de</strong>ria prolongar essa lista, mas ela já é suficiente para recordar que essa<br />
era uma leitura marcada pelas tintas <strong>de</strong> um marxismo evolucionista e linear,<br />
saído <strong>de</strong> panfletos soviéticos; um marxismo que <strong>de</strong>spia nossa inocência em<br />
relação ao Brasil. É claro que a militância <strong>de</strong> <strong>Amado</strong> no Partido Comunista<br />
era uma parte essencial <strong>de</strong>sse mo<strong>de</strong>lo – ou, se preferirem, parte essencial na<br />
forma como mo<strong>de</strong>lávamos nosso mundo.<br />
Foi aqui que tive os primeiros vislumbres a respeito do que era percebido<br />
pelos setores intermediários brasileiros como uma espécie <strong>de</strong> “magia <strong>de</strong> segunda<br />
mão” ou aspirante a religião, a que chamávamos por variados nomes:<br />
Macumba, Quibanda, Umbanda, Candomblé, Xangô e assim por diante. A<br />
classificação imprecisa revelava nossa ignorância, mas, acima <strong>de</strong> tudo, o grau<br />
com que <strong>de</strong>sprezávamos, proibíamos, reprimíamos e, naturalmente, pouco<br />
entendíamos sobre as mesmas. No entanto, para nossa surpresa era exatamente<br />
a esse grupo <strong>de</strong> práticas rituais e crenças que pertenciam e eram originários<br />
os heróis <strong>de</strong> <strong>Amado</strong>.<br />
O encontro com sua obra foi, em vista disso, a primeira abertura para nossas<br />
mentes, acompanhada <strong>de</strong> uma contradição: os verda<strong>de</strong>iros heróis do Brasil<br />
não eram as figuras brancas e barbadas impressas em nossos livros escolares,<br />
e sim os subalternos <strong>de</strong> todas as cores <strong>de</strong> pele que habitavam nossas ruas e os<br />
espaços marginais <strong>de</strong> nossas casas: trabalhadores não-assalariados, crianças <strong>de</strong><br />
rua sem mãe ou lençóis limpos on<strong>de</strong> dormir, migrantes fugindo da pobreza<br />
extrema que, em seu caminho rumo a São Paulo, <strong>de</strong>paravam com toda sorte<br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>gradação, até que alguns <strong>de</strong>les finalmente enxergaram o raio <strong>de</strong> luz do<br />
Partido Comunista.<br />
Na minha experiência, tais crenças não eram totalmente exóticas. Tendo<br />
nascido numa família <strong>de</strong> amazonenses e baianos que rumaram para o Rio <strong>de</strong><br />
Janeiro em busca <strong>de</strong> uma nova vida para seus filhos, testemunhei séances espirituais<br />
e ouvi por acaso, com meus acurados ouvidos infantis, mais do que me<br />
era dado enten<strong>de</strong>r. Mas a novida<strong>de</strong> da obra <strong>de</strong> <strong>Jorge</strong> <strong>Amado</strong> era a revelação<br />
<strong>de</strong> que todos esses mistérios e tabus sobre a religiosida<strong>de</strong> afro-brasileira eram<br />
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