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Dossiê Jorge Amado - Academia Brasileira de Letras

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Maria Lúcia Garcia Pallares-Burke<br />

o racismo era legitimado pela ciência (e permeava a imprensa, a ficção, a indústria<br />

cinematográfica etc) Freyre tenha nadado com a corrente e aceito o<br />

paradigma racista, bem como as estratégias que se seguiram a ele, indo longe,<br />

ao ponto <strong>de</strong> mostrar aberta simpatia pela causa da Ku-Klux-Klan.<br />

Foi como resultado <strong>de</strong>ssa imersão que a crença <strong>de</strong> Freyre na eficácia<br />

da solução brasileira do embranquecimento – que muitos pensavam ser a<br />

resposta para o problema racial no Brasil, como fora na Argentina – se rompeu.<br />

Ocorrida numa época em que a imigração em massa vinda da Europa<br />

estava transformando o sul do Brasil, essa assim chamada “arianização” do<br />

país fora bem-vinda como o único modo <strong>de</strong> colocá-lo no caminho certo<br />

rumo ao <strong>de</strong>senvolvimento e à civilização. A “ciência da raça”, entretanto,<br />

solapava essa solução, algo que <strong>de</strong>morou um pouco para Freyre perceber.<br />

Porque, <strong>de</strong> fato, o que essa assim arrogada ciência “provava” era que havia<br />

uma hierarquia <strong>de</strong> raças brancas e que a mistura <strong>de</strong>sses elementos brancos<br />

<strong>de</strong>siguais (e não apenas <strong>de</strong> brancos e negros) também enodoaria a pureza<br />

racial e seria um perigo à civilização. Foi por essa razão que italianos do sul<br />

e povos mediterrâneos em geral, que estavam chegando nas Américas em<br />

gran<strong>de</strong> número naquele período, eram consi<strong>de</strong>rados iguais, por muitos eugenistas,<br />

aos escravos romanos que em muito contribuíram para o <strong>de</strong>clínio<br />

da República Romana.<br />

A mudança na visão <strong>de</strong> Freyre a respeito dos problemas <strong>de</strong> raça não teve<br />

lugar subitamente. Por anos, ele se manteve confuso, ainda pensando e observando<br />

a partir do po<strong>de</strong>roso paradigma da raça, ao mesmo tempo que estava<br />

penosamente tentando <strong>de</strong>finir-se entre as múltiplas e contraditórias referências,<br />

leituras e experiências que faziam parte <strong>de</strong> seu equipamento mental. Até<br />

que, enfim, ajudado, entre muitas outras coisas, pelos olhares antropológicos<br />

ou pelos “olhos <strong>de</strong> estrangeiro” que ele adquirira com a experiência nos Estados<br />

Unidos e na Europa, assim como o aprendizado com Roquette-Pinto – a<br />

quem ele via como um Franz Boas brasileiro – a Freyre ocorreu que a “ciência”<br />

que ele admirava era, na verda<strong>de</strong>, uma “pseudociência” e a partir daí foi<br />

capaz <strong>de</strong> pensar sobre o Brasil em diferentes termos, colocando a ênfase não<br />

em raça, e sim em cultura.<br />

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