15.04.2013 Views

Dossiê Jorge Amado - Academia Brasileira de Letras

Dossiê Jorge Amado - Academia Brasileira de Letras

Dossiê Jorge Amado - Academia Brasileira de Letras

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

A utopia mestiça <strong>de</strong> <strong>Jorge</strong> <strong>Amado</strong><br />

dividir-se em dois, com hora marcada para um e outro, o sábio e o homem.<br />

Não renegava o candomblé, porque nascera nele. Mas não podia também<br />

renegar a ciência, porque a sabedoria popular era em si incompleta. Se se limitasse<br />

a essa sabedoria, po<strong>de</strong>ria saber <strong>de</strong> tudo, mas não saberia saber, como<br />

a criança que come uma fruta, sabe o gosto que ela tem, mas não conhece a<br />

causa <strong>de</strong>sse gosto.<br />

É notável, nesse aspecto, a diferença entre Joaquim Nabuco e <strong>Jorge</strong> <strong>Amado</strong>.<br />

Nabuco está sujeito à “terrível instabilida<strong>de</strong>” que ele atribui ao intelectual<br />

sul-americano, que o con<strong>de</strong>na ao exílio eterno, fazendo-o oscilar entre a sauda<strong>de</strong><br />

do Brasil, quando está na Europa, e a sauda<strong>de</strong> da Europa, quando está<br />

no Brasil. Ele é dois, o menino <strong>de</strong> Maçangana, preso emocionalmente ao<br />

Brasil, e o diplomata e dândi, incapaz <strong>de</strong> viver longe <strong>de</strong> Londres e Paris. <strong>Jorge</strong><br />

<strong>Amado</strong>, ao contrário, sente-se em casa nos dois universos, o brasileiro e o europeu,<br />

simbolizados pelo contraste entre o candomblé e a ciência. Para ele, a<br />

divisão está nas coisas, nas circunstâncias, não na alma, que é una. É a mesma<br />

alma que ora dança no candomblé, ora lê Voltaire.<br />

É por isso que <strong>Jorge</strong> <strong>Amado</strong> estava tão <strong>de</strong>scontraído em Estoril. Ele se<br />

sabia materialista, mas o materialismo não o limitava, fazendo-o ter medo <strong>de</strong><br />

admitir que tinha medo, ou medo <strong>de</strong> parecer crédulo. Suspeito que o materialismo<br />

<strong>de</strong> <strong>Jorge</strong> <strong>Amado</strong> não tenha sido aprendido nas cartilhas do marxismo<br />

vulgar, e sim, paradoxalmente, no próprio candomblé. O materialismo soviético<br />

criava polarida<strong>de</strong>s que se baseavam numa lógica disjuntiva: ou isto ou<br />

aquilo. Por isso era um materialismo intolerante. Já o candomblé ten<strong>de</strong> a ser<br />

conjuntivo – não ou/ou, mas e/e. Contribuindo para que as oposições entre<br />

os dois planos, o mágico e o da realida<strong>de</strong> cotidiana, sejam atenuadas pelo jogo<br />

da lógica conjuntiva, ele acentua mais as semelhanças que as diferenças, e com<br />

isso predispõe para a tolerância.<br />

Tudo isso se ajusta como uma luva a <strong>Jorge</strong> <strong>Amado</strong>. Em sua fase militante,<br />

seu dualismo era maniqueísta: o mundo estava dividido em dois blocos irreconciliáveis,<br />

o comunismo, campo do bem, e o capitalismo, o polo do mal.<br />

Depois, seu dualismo se tornou mais inclusivo. Por que escolhas radicais, que<br />

excluem um dos polos, quando é sempre possível acolher elementos dos dois<br />

131

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!