15.04.2013 Views

Dossiê Jorge Amado - Academia Brasileira de Letras

Dossiê Jorge Amado - Academia Brasileira de Letras

Dossiê Jorge Amado - Academia Brasileira de Letras

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

Maria Lúcia Garcia Pallares-Burke<br />

Esses temas não são os únicos que tornam o romance num exemplo maravilhoso<br />

da tradução das i<strong>de</strong>ias <strong>de</strong> Freyre para o âmbito da ficção. Da mesma<br />

forma com que Casa Gran<strong>de</strong> enfatizava a importância da contribuição africana<br />

para a cultura brasileira, em muitos domínios, da linguagem à cozinha, Tenda<br />

dos milagres celebra a capoeira, a música, o candomblé, os orixás africanos, as<br />

guloseimas especiais etc.<br />

Embora <strong>Amado</strong> juntasse forças a Freyre ao escrever sobre a sexualida<strong>de</strong>,<br />

a situação das mulheres e a miscigenação, é possível notar uma importante<br />

ausência em sua obra que faz com que nos indaguemos por que um tópico<br />

sobre o qual Freyre foi igualmente inovador não teve o mesmo impacto em<br />

<strong>Amado</strong>: a homossexualida<strong>de</strong>. Esse tópico parece ter sido <strong>de</strong>ixado <strong>de</strong> lado <strong>de</strong><br />

seus romances, uma ausência que uma autorida<strong>de</strong> crítica como John Gledson<br />

abertamente lamenta. O feminismo e o antirracismo <strong>de</strong> <strong>Amado</strong> são tão sinceros,<br />

diz ele, como sua “homofobia”. 26<br />

Em contraste, além <strong>de</strong> discutir a situação feminina, Freyre foi mais ousado<br />

ainda ao falar sobre homossexualida<strong>de</strong> nos anos 1930 – um assunto que<br />

era tabu na época e <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>la. Tal contribuição po<strong>de</strong> até justificar que se<br />

apresente Freyre como um revolucionário, da mesma forma que ele era um<br />

feminista “revolucionário”.<br />

Apesar não ter <strong>de</strong>senvolvido muito esse tema, fica evi<strong>de</strong>nte que, assim como<br />

no caso das mulheres, Freyre vê a homossexualida<strong>de</strong> em termos culturais e não<br />

morais – ou seja: ele não a encara como algo pecaminoso – <strong>de</strong>safiando, assim, o<br />

discurso hegemônico sobre sexualida<strong>de</strong>. Ele fala abertamente a respeito <strong>de</strong> “homens<br />

afeminados ou bissexuais” e “invertidos” entre os ameríndios e a respeito<br />

<strong>de</strong> atos <strong>de</strong> sodomia cometidos por europeus no Brasil colonial. Os hebreus<br />

associavam os “gentios” com sodomitas, escreve Freyre. Os cristãos consi<strong>de</strong>ravam<br />

a homossexualida<strong>de</strong> abominável e associavam-na com a heresia, como se<br />

“uma danação necessariamente conduzisse a outra”. Isso não ocorre em muitas<br />

socieda<strong>de</strong>s primitivas, apontava Freyre, argumentando que o fenômeno, embora<br />

universal e trans-histórico, tinha significados diferentes em diferentes culturas.<br />

Baseando-se em estudos <strong>de</strong> socieda<strong>de</strong>s primitivas, Freyre escreve sobre as<br />

26 J. Gledson, 1993.<br />

170

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!