Dossiê Jorge Amado - Academia Brasileira de Letras
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A utopia mestiça <strong>de</strong> <strong>Jorge</strong> <strong>Amado</strong><br />
a <strong>de</strong>scentrar-se, a transcen<strong>de</strong>r sua cultura, a escolher o universal. É ocioso<br />
insistir na relevância <strong>de</strong>ssa análise para um país como a França, cujos valores<br />
republicanos e universalistas estão sendo crescentemente erodidos por um<br />
enxame <strong>de</strong> particularismos étnicos e culturais.<br />
Faz bem à alma, para concluir, voltar a <strong>Jorge</strong> <strong>Amado</strong>. Contra o racismo somático<br />
e cultural, a verda<strong>de</strong>ira solução é a mestiçagem. Não a guerra das civilizações,<br />
no sentido <strong>de</strong> Huntington, mas a utopia mulata tão bem analisada por<br />
Ana Maria Machado, e tão bem formulada por Pedro Arcanjo: “Formar-se-á<br />
uma cultura mestiça <strong>de</strong> tal maneira po<strong>de</strong>rosa e inerente a cada brasileiro que<br />
será a própria consciência nacional, e mesmo os filhos <strong>de</strong> pais e mães imigrantes,<br />
brasileiros <strong>de</strong> primeira geração, serão culturalmente mestiços.” Penso que<br />
essa utopia não é válida somente para o Brasil, mas também para o mundo,<br />
cada vez mais fraturado por narcisismos rivais. Para a realização <strong>de</strong>sse sonho,<br />
o Brasil, ponto <strong>de</strong> encontro <strong>de</strong> todos os sincretismos, tem sua contribuição a<br />
dar. O perigo seria transformar essa intimida<strong>de</strong> com o outro numa espécie <strong>de</strong><br />
pre<strong>de</strong>stinação, que faria do povo brasileiro o embrião <strong>de</strong> um novo povo eleito,<br />
cuja i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> consistiria na rejeição <strong>de</strong> toda i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> fixa, cujo “próprio”<br />
fosse constituído pela porosida<strong>de</strong> com relação ao que lhe fosse exterior. Seria<br />
uma nova forma <strong>de</strong> proclamar nossa excepcionalida<strong>de</strong>. Mas já basta termos<br />
sido capazes <strong>de</strong> transformar uma virgem da Ásia Menor, Santa Bárbara, em<br />
Iansã, e a amante <strong>de</strong> um rei <strong>de</strong> Castela, Maria Padilha, na Pombagira. São<br />
façanhas suficientes. Não nos sobrecarreguemos, além disso, com a missão<br />
messiânica <strong>de</strong> ensinar ao resto do mundo os caminhos da tolerância universal.<br />
Felizmente, nessa navegação <strong>de</strong> longo curso, teremos a ajuda do velho marinheiro,<br />
<strong>Jorge</strong> <strong>Amado</strong>, que soube temperar o orgulho <strong>de</strong> ser baiano com doses<br />
saudáveis <strong>de</strong> cosmopolitismo.<br />
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