Dossiê Jorge Amado - Academia Brasileira de Letras
Dossiê Jorge Amado - Academia Brasileira de Letras
Dossiê Jorge Amado - Academia Brasileira de Letras
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
A África <strong>de</strong> <strong>Jorge</strong> <strong>Amado</strong><br />
<strong>de</strong> escravos, <strong>de</strong>u-se também entre a Bahia e os portos <strong>de</strong> idiomas gbe, dos quais<br />
o principal era Ajudá (na atual República do Benim). Tanto os chamados<br />
jejes (nome que se aplica na Bahia aos fons, evés, guns, gás, mahis, huedas e<br />
outros falantes <strong>de</strong> línguas gbe), quanto, e ainda mais, os diferentes povos bantos,<br />
como os congos e os ambundos, foram importantíssimos na formação da<br />
cultura baiana. Seriam, porém, os iorubás ou nagôs que se <strong>de</strong>senhariam como<br />
figurantes no primeiro plano dos cenários da mais portuguesa das cida<strong>de</strong>s<br />
brasileiras. Nos meados do século XIX, em ruas e praças <strong>de</strong> uma Salvador<br />
<strong>de</strong> arquitetura tão lusitana que po<strong>de</strong>ria ser transportada inteira para Portugal,<br />
as pessoas que por elas transitavam pareciam, em sua maioria, com as que se<br />
viam na africana Lagos.<br />
Na Bahia, as crenças e os costumes iorubanos não <strong>de</strong>moraram em impregnar<br />
a vida <strong>de</strong> todos. Não apenas dos outros negros, mas também dos<br />
mestiços e dos brancos. Os quitutes e os temperos daquela parte da África<br />
tornaram-se, para os baianos, baianos. E assim passaram a ser consi<strong>de</strong>rados<br />
também pelos <strong>de</strong>mais brasileiros. Mas no processo muitas <strong>de</strong>ssas comidas<br />
se abrasileiraram, isto é, mestiçaram-se. Dona Flor, a professora <strong>de</strong> culinária<br />
que <strong>Jorge</strong> <strong>Amado</strong> trouxe, com seus dois maridos, da realida<strong>de</strong> da vida para a<br />
realida<strong>de</strong> do romance, sabia que, no preparo <strong>de</strong> um prato, o azeite <strong>de</strong> <strong>de</strong>ndê e<br />
a malagueta não brigam com o óleo <strong>de</strong> oliva, o coentro, a salsa e o tomate, que<br />
a couve não expulsa o caruru e que se po<strong>de</strong> servir fubá <strong>de</strong> milho e farinha <strong>de</strong><br />
mandioca a orixá. Nem tudo per<strong>de</strong>u, contudo, a pureza da origem, ainda que,<br />
em nenhum momento, Dona Flor nos recor<strong>de</strong> explicitamente que o acarajé<br />
que se compra e ven<strong>de</strong> nas ruas <strong>de</strong> Salvador é idêntico ao que se compra e<br />
ven<strong>de</strong> em Ijebu-O<strong>de</strong>, Ilexa ou Lagos.<br />
Se ela não o fez, po<strong>de</strong>ria tê-lo feito outra personagem <strong>de</strong> <strong>Jorge</strong> <strong>Amado</strong>, o<br />
mulato Pedro Archanjo, que parecia saber tudo sobre a África que se alongara<br />
na Bahia. A sua África era, portanto, fundamentalmente a África que viera<br />
com os iorubás e se abrasileirara, ao justapor-se e somar-se a outras culturas.<br />
Além disso, nem todo o Iorubo atravessara o Atlântico. Muita coisa que não<br />
tinha aceitação ou espaço na socieda<strong>de</strong> brasileira, não sobreviveu e foi <strong>de</strong>scartada<br />
ou esquecida: para ficar em alguns poucos exemplos, as escarificações<br />
139