Dossiê Jorge Amado - Academia Brasileira de Letras
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A África <strong>de</strong> <strong>Jorge</strong> <strong>Amado</strong><br />
Isso aconteceu paulatinamente e a romper resistências, fossem claras, agressivas<br />
ou dissimuladas. Em vários <strong>de</strong> seus livros, como O compadre <strong>de</strong> Ogum, O<br />
sumiço da santa e, exemplarmente, Tenda dos milagres, <strong>Jorge</strong> <strong>Amado</strong> nos conta<br />
histórias sobre esse processo, nas quais inclui como protagonistas, às vezes<br />
a bor<strong>de</strong>jar a irreverência, os próprios orixás, e apresenta como <strong>de</strong>cisivos, na<br />
doma dos inimigos violentos e na conversão dos <strong>de</strong>screntes, os seus milagres.<br />
É, aliás, com a cumplicida<strong>de</strong> dos orixás que <strong>Jorge</strong> <strong>Amado</strong> nos leva para<br />
<strong>de</strong>ntro da vida íntima da Bahia e nos faz partilhar dos segredos <strong>de</strong> sua arraiamiúda.<br />
De uma Bahia on<strong>de</strong> a maioria dos que se dizem brancos possui algum<br />
ou mais <strong>de</strong> um antepassado negro, e dos tidos por negros, pelo menos um<br />
bisavô ou trisavô branco, e on<strong>de</strong>, a imitar os romances <strong>de</strong> <strong>Jorge</strong> <strong>Amado</strong>, o<br />
sobrenatural dá a mão ao corriqueiro, ou, quando menos, divi<strong>de</strong> com ele o<br />
mesmo espaço. Nessa Bahia que se tem como uma continuação do Iorubo<br />
cabem, porém, outras regiões da África e o que <strong>de</strong>las veio não só continua<br />
vivo, mas em constante <strong>de</strong>senvolvimento. Como a capoeira, por exemplo, que<br />
seria proveniente do sul <strong>de</strong> Angola.<br />
Se os orixás iorubanos parecem corresponsáveis pelo <strong>de</strong>senrolar <strong>de</strong> tantos<br />
enredos <strong>de</strong> <strong>Jorge</strong> <strong>Amado</strong>, em suas narrativas ele não se esquece dos voduns<br />
jejes, dos inquices ambundos nem dos caboclos encantados ameríndios adotados<br />
pelos candomblés ou religiões <strong>de</strong> origem africana. Embora ateu, <strong>Jorge</strong><br />
<strong>Amado</strong> convivia <strong>de</strong>vota e afetuosamente com essas entida<strong>de</strong>s sagradas, assim<br />
como acarinhava as manifestações do catolicismo popular <strong>de</strong> tradição portuguesa,<br />
só tendo palavras boas para os que amarravam as almas, a fim <strong>de</strong> ganhar<br />
na loteria ou punham <strong>de</strong> cabeça para baixo a imagem <strong>de</strong> Santo Antônio até<br />
que este lhes concertasse um <strong>de</strong>sencontro amoroso.<br />
Desiludido com os africanos da geração que fez as in<strong>de</strong>pendências, porque<br />
punham <strong>de</strong> lado as tradições africanas, como se as tivessem como adversárias<br />
ou as quisessem esquecer, Pierre Verger dizia para os amigos que a África<br />
se mudara para o Brasil. Ainda que a frase não seja inteiramente verda<strong>de</strong>ira,<br />
po<strong>de</strong>r-se-ia dizer que a África, ao se mudar para o Brasil, se instalou nos<br />
romances <strong>de</strong> <strong>Jorge</strong> <strong>Amado</strong>, que jamais a visitou, mas parecia conhecer-lhe os<br />
mistérios e <strong>de</strong>la sentir falta.<br />
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