Dossiê Jorge Amado - Academia Brasileira de Letras
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João Ubaldo Ribeiro<br />
Da mesma forma, no mundo lusófono europeu, os opositores do regime<br />
salazarista, não somente os comunistas, mas todos os que ambicionavam <strong>de</strong>ixar<br />
<strong>de</strong> viver sob um governo autoritário, obscurantista e inimigo das liberda<strong>de</strong>s<br />
públicas, não tinham para on<strong>de</strong> olhar, senão para o Brasil, para on<strong>de</strong><br />
migraram milhões <strong>de</strong> portugueses, a gran<strong>de</strong> maioria buscando oportunida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> trabalho num país on<strong>de</strong> se falava a mesma língua, mas muitos também para<br />
escapar à perseguição política, ou simplesmente para se sentirem livres.<br />
A Língua Portuguesa fez do Brasil o interlocutor necessário, espelho e<br />
mo<strong>de</strong>lo, exemplo e ponto <strong>de</strong> apoio. E, a partir <strong>de</strong> finais da década <strong>de</strong> 40, com<br />
a Literatura inovadora, rebel<strong>de</strong>, participante e iconoclasta que surgiu com o<br />
Mo<strong>de</strong>rnismo no Brasil, os livros brasileiros, circulando clan<strong>de</strong>stinamente tanto<br />
em Portugal como em Angola e Moçambique, representavam um horizonte<br />
<strong>de</strong>smesurado para seus leitores. Era a língua mostrando como se prestava<br />
bem a <strong>de</strong>screver e expressar sentimentos e experiências novas, como se prestava<br />
bem a contar a história <strong>de</strong> cada povo com suas próprias palavras e discursos,<br />
como era versátil, como abria caminhos antes apenas pressentidos ou invejados.<br />
As regras gramaticais eram <strong>de</strong>safiadas e recriadas, <strong>de</strong>ixava <strong>de</strong> haver temas<br />
proibidos, o bom gosto vigente era subvertido.<br />
As vozes literárias que por esses tempos saíam do Brasil eram po<strong>de</strong>rosas,<br />
todas exerceram algum tipo <strong>de</strong> influência nos padrões da língua e não vem<br />
ao caso procurar avaliar seus méritos puramente literários. No campo estritamente<br />
literário, mas não só, a figura <strong>de</strong> <strong>Jorge</strong> <strong>Amado</strong> é a mais presente<br />
e atuante, a que, sem dúvida, exerceu maior influência no mundo lusófono<br />
durante décadas. Para as colônias em busca <strong>de</strong> libertação e afirmação, ele era<br />
o herói que, além <strong>de</strong> apoiar as lutas libertárias e as causas populares, ia muito<br />
além da escrita, entregando-se à militância política e por causa <strong>de</strong>la sofrendo<br />
perseguição, prisão e exílio, sem nunca negociar suas posições.<br />
Numa época em que as normas gramaticais adotadas em Portugal eram<br />
vistas quase como sagradas, <strong>Jorge</strong> também participou da rebeldia contra esse<br />
tipo <strong>de</strong> amarra. Não escrevia “errado”, mas evitava o uso <strong>de</strong> formas e estilos<br />
estranhos ao falar brasileiro, ajudando com isso o escritor lusófono africano a<br />
também enriquecer a língua e a valorizar a forma com que a usa. A invenção<br />
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