Livro Historia_ORL em Portugal.pdf - Repositório do Hospital Prof ...
Livro Historia_ORL em Portugal.pdf - Repositório do Hospital Prof ...
Livro Historia_ORL em Portugal.pdf - Repositório do Hospital Prof ...
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
204 HiStÓriA DA SOCiEDADE pOrtuguESA DE Orl<br />
FigurA 248<br />
O DR. SILVA ALVES COM O DR. ALBERTO MENDONÇA<br />
EM 1957 EM CASTELO BRANCO<br />
era um hom<strong>em</strong> novo, com um pequeno carcinoma no maxilar<br />
e a anestesia utilizada foi a loco-regional, com anestesia de<br />
base pela morfina. O <strong>do</strong>ente “aguentou”, b<strong>em</strong> a operação, mas<br />
após a ressecção <strong>do</strong> maxilar superior, agitou-se e o aspecto <strong>do</strong><br />
campo operatório era horrível: os ramos da maxilar interna<br />
sangravam no fun<strong>do</strong> da loca operatória, o retalho cutâneo<br />
bailava de um la<strong>do</strong> para o outro, com a atrapalhação de pôr<br />
compressas e mais compressas e o <strong>do</strong>ente <strong>em</strong>itia grunhi<strong>do</strong>s<br />
horríveis, pois, como é evidente, não podia falar. Esta má imag<strong>em</strong><br />
ficou s<strong>em</strong>pre gravada no meu espírito, <strong>em</strong>bora atenuada<br />
pelo prazer de ulteriormente encontrar esse <strong>do</strong>ente nas ruas de<br />
Lisboa, a última vez há cerca de 2 anos. Mais tarde, ainda <strong>em</strong><br />
S. José, tive ocasião de efectuar uma ressecção <strong>do</strong> maxilar superior,<br />
nas mesmas condições, mas não me impressionei tanto.<br />
Estava já mais caleja<strong>do</strong>.<br />
Outro episódio passou-se <strong>em</strong> Madrid, na década de 50. Fui<br />
visitar o <strong>Prof</strong>. Calderin e este convi<strong>do</strong>u-me para assistir no<br />
dia seguinte a uma laringectomia total, efectuada com<br />
anestesia local, apesar de nessa época operar já os ouvi<strong>do</strong>s<br />
com anestesia geral. Todavia a anestesia local não se revelou<br />
muito eficiente e o <strong>do</strong>ente protestava constant<strong>em</strong>ente com<br />
o opera<strong>do</strong>r e este fazia o mesmo com a “hermana”, dizen<strong>do</strong><br />
ser o anestésico de péssima qualidade. Quan<strong>do</strong> Calderin iniciou<br />
a ablação da laringe, de cima para baixo, o <strong>do</strong>ente agitou-se<br />
mais, ficou cianosa<strong>do</strong>, com intensa dispneia e<br />
conseguiu levantar-se fican<strong>do</strong> senta<strong>do</strong> na marquesa. A rápida<br />
intervenção de Sacristan, que ajudava, salvou a situação,<br />
introduzin<strong>do</strong> a Cânula de Tapia na laringe e o <strong>do</strong>ente<br />
tossiu, atiran<strong>do</strong> sangue até ao tecto e finalmente deitou-se<br />
mais sossega<strong>do</strong>. Então Calderin colocan<strong>do</strong> a mão direita<br />
sobre o tórax <strong>do</strong> <strong>do</strong>ente e voltan<strong>do</strong>-se para mim, com ar de<br />
toureiro disse: Oh Silva, isto foi dramático.<br />
E a propósito destes aspectos dramáticos dir-vos-ei o terror<br />
que sentíamos, quan<strong>do</strong> aparecia uma criança, com um<br />
corpo estranho nos brônquios. O material existente <strong>em</strong> S.<br />
José era antigo, de Brunings, creio eu, mas Luiz Macieira manejava-o<br />
b<strong>em</strong>. Todavia a técnica era complicada: De início<br />
colocava-se o laringoscópio, depois introduzia-se o traqueoscópio<br />
e finalmente através deste, um alonga<strong>do</strong>r, para<br />
FigurA 249<br />
O SERVIÇO 8 DO HOSPITAL DOS CAPUCHOS EM ABRIL DE 1952<br />
atingir os brônquios. E isto era feito com anestesia local ou<br />
s<strong>em</strong> ela e com luz dista. Por vezes, no caso de haver dispneia,<br />
fazia-se traqueotomia prévia.<br />
No final da década de 30, a vinda para Lisboa <strong>do</strong> Dr. António<br />
Costa Quinta, após prolonga<strong>do</strong> estágio no Serviço de Chevalier<br />
Jackson, melhorou muito a situação, pois trouxe bom<br />
material e excelente treino <strong>em</strong> en<strong>do</strong>scopia. Poucos anos depois<br />
fui coloca<strong>do</strong> nos Capuchos, como Assistente, e lá continuei<br />
a ter maus boca<strong>do</strong>s, pois então não podia pedir auxílio<br />
ao Costa Quinta, por motivos que não interessa citar. E assim<br />
lá continuei a fazer broncoscopias, por vezes a altas horas<br />
da noite e apenas com auxílio duma Enfermeira e duma<br />
criada. Convém esclarecer os mais novos, que nessa época<br />
não havia horas extraordinárias.<br />
Julgo ter-vos da<strong>do</strong> uma ideia da Otorrinolaringologia da primeira<br />
metade deste século. A 2ª Grande Guerra, a par <strong>do</strong>s<br />
grandes malefícios causa<strong>do</strong>s, trouxe também excelentes benefícios<br />
a muitos ramos da Ciência, e a Otorrinolaringologia<br />
progrediu muito com o aperfeiçoamento da anestesia, da<br />
acústica, da óptica, da electrónica etc.<br />
A pouco e pouco a “na<strong>do</strong>caína” e a novocaína deixaram de<br />
ser utilizadas, sen<strong>do</strong> substituídas pela anestesia geral, e o escopro<br />
e martelo foram substituí<strong>do</strong>s pela broca eléctrica.<br />
Terminarei fazen<strong>do</strong> uma referência à transformação operada<br />
na cirurgia <strong>do</strong> ouvi<strong>do</strong>. Fui a Madrid e visitei Antoli-Candela,<br />
na época das fenestrações, por ele executadas<br />
primorosamente e com grande rapidez, operan<strong>do</strong> vários<br />
<strong>do</strong>entes na mesma sessão. No final duma das sessões operatórias,<br />
perguntou-me: Vocês <strong>em</strong> Lisboa faz<strong>em</strong> esta cirurgia?<br />
Disse-lhe estarmos na fase inicial de preparativos e ele<br />
respondeu-me, aludin<strong>do</strong> a outro Médico, mas numa “indirecta”<br />
evidente, para mim: Note o seguinte: os Otorrinolaringologistas,<br />
ten<strong>do</strong> larga prática de cirurgia <strong>do</strong> ouvi<strong>do</strong>, com<br />
escopro e martelo, nunca <strong>do</strong>minarão b<strong>em</strong> a cirurgia microscópica<br />
<strong>do</strong> ouvi<strong>do</strong>. Retive a lição e a breve trecho aban<strong>do</strong>nei<br />
as tentativas para fazer essa cirurgia e o mesmo<br />
sucedeu com a maioria, se não a totalidade <strong>do</strong>s Otorrinolaringologistas<br />
da minha geração.