Livro Historia_ORL em Portugal.pdf - Repositório do Hospital Prof ...
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A MEDICINA NO SÉCULO XIX<br />
“Quan<strong>do</strong> descrevi a operação, tal como executam os especialistas<br />
al<strong>em</strong>ães, fiquei verdadeiramente surpreendi<strong>do</strong> ao<br />
ouvir o Sr. Gregório Fernandes afirmar que já <strong>em</strong> 1891 a<br />
tinha feito, como constava de uma comunicação, e por mais<br />
diligência que faça não encontrei a menor analogia entre a<br />
operação que o meu <strong>do</strong>ente sofreu e aquela que o Sr. Gregório<br />
Fernandes comunicou à Sociedade na sessão de 4 de<br />
Abril de 1891.”<br />
Seguidamente Sant’Anna Leite, descreve o caso clínico <strong>do</strong><br />
<strong>do</strong>ente que tinha opera<strong>do</strong>, um miú<strong>do</strong> de 12 anos com<br />
otorreia fétida e pólipos no Conduto Auditivo Externo, e<br />
descreve a operação <strong>do</strong> seguinte mo<strong>do</strong>:<br />
“Em Maio, o <strong>do</strong>ente entra na Enfermaria <strong>do</strong> <strong>Hospital</strong> de S.<br />
José e é operada a 10. Operação – a<strong>do</strong>rmeci<strong>do</strong> o <strong>do</strong>ente pelo<br />
clorofórmio, raspada a região e desinfectada, incluin<strong>do</strong> o<br />
Canal Auditivo, uma incisão retro–auricular e arciforme, partin<strong>do</strong><br />
duma linha horizontal e passan<strong>do</strong> pela inserção superior<br />
<strong>do</strong> pavilhão, veio terminar na ponta da apophyse. O pus<br />
<strong>do</strong> abcesso escoa-se e a cavidade deste é raspada. A rugina<br />
põe-me a descoberto a face externa da apophyse onde não<br />
há a menor lesão. Descolo o Canal Auditivo, até à m<strong>em</strong>brana<br />
<strong>do</strong> tímpano, mas somente a parede postero-superior. Faço a<br />
h<strong>em</strong>ostase. Afasta<strong>do</strong>res mantêm o campo operatório.<br />
Com escopro e martello vou cortan<strong>do</strong> pequenas e delgadas<br />
fatias de apophyse, no lugar de eleição para a trepanação<br />
simples, e a certa profundidade, apparece no fun<strong>do</strong>, queren<strong>do</strong><br />
fazer hérnia, um tumor com a absoluta aparência de<br />
uma pérola. Trabalho com o escopro nos limites <strong>do</strong> tumor,<br />
não esquecen<strong>do</strong> a presença de órgãos que te<strong>em</strong> de ser poupa<strong>do</strong>s.<br />
Acho assim o limite <strong>do</strong> tumor atrás, que se encosta à<br />
parede <strong>do</strong> seio lateral. Faço a ablação da parede superior <strong>do</strong><br />
Canal Auditivo Externo, de mo<strong>do</strong> que o restante deste fique<br />
ao nível <strong>do</strong> tecto ou parede superior <strong>do</strong> ático, fican<strong>do</strong> portanto<br />
iluminada a parede externa deste. Faço ablação <strong>do</strong>s<br />
ossinhos, martelo e bigorna estão carea<strong>do</strong>s. A parede posterior<br />
<strong>do</strong> Canal Auditivo Externo t<strong>em</strong> o mesmo destino e o<br />
tumor sai então, com toda a facilidade, envolvida na sua<br />
m<strong>em</strong>brana. Tinha as dimensões de uma amên<strong>do</strong>a…. A operação<br />
transformou o ouvi<strong>do</strong> médio e externo numa cavidade<br />
única e s<strong>em</strong> divertículos. A parte delicada da operação está<br />
terminada, ten<strong>do</strong> si<strong>do</strong> poupa<strong>do</strong>s o Nervo Facial, o Cérebro e<br />
os Canais S<strong>em</strong>i-circulares. Faço o corte <strong>do</strong> canal auditivo<br />
m<strong>em</strong>branoso, que vae revestir uma parte a intervenção, o<br />
resto é coberto por pequenos retalhos de epiderme, estendi<strong>do</strong>s<br />
sobre a superfície óssea. Esses retalhos costumo tirá-los<br />
<strong>do</strong> braço, faço depois a sutura da incisão, sen<strong>do</strong> os pontos<br />
tira<strong>do</strong>s aos 12 dias. To<strong>do</strong>s os pensos futuros são feitos pelo<br />
canal. O <strong>do</strong>ente t<strong>em</strong> alta mês e meio depois da operação,<br />
completamente cura<strong>do</strong>, fican<strong>do</strong> s<strong>em</strong> a menor alteração estética<br />
<strong>do</strong> ouvi<strong>do</strong>. A audição melhorou consideravelmente, fican<strong>do</strong><br />
a ouvir a voz baixa a <strong>do</strong>is metros.<br />
Esta operação só se pode realizar convenient<strong>em</strong>ente com<br />
uma iluminação boa, feita <strong>em</strong> geral com a luz eléctrica. Operan<strong>do</strong><br />
com boa h<strong>em</strong>ostase e com todas as precauções, nunca<br />
tiv<strong>em</strong>os de lamentar o menor desastre <strong>em</strong> todas as operações<br />
que t<strong>em</strong>os realiza<strong>do</strong> e já é de algumas dezenas o seu número,<br />
como oportunamente ter<strong>em</strong>os ocasião de referir.”<br />
FIGURA 80<br />
jORnaL DOS ESTUDanTES DE MEDicina inTiTULaDO:<br />
a PaRÓTiDa DE 22 DE FEVEREiRO DE 1900<br />
Termina assim o relato da primeira mastoidectomia radical<br />
que se realizou no nosso país. Curiosamente os passos<br />
não difer<strong>em</strong> daqueles que hoje realizamos mais de<br />
c<strong>em</strong> anos depois, as condições <strong>em</strong> que a faz<strong>em</strong>os é que<br />
difer<strong>em</strong> muito.”<br />
Mas o artigo não termina aqui, seguidamente Sant’Anna<br />
Leite transcreveu a comunicação que Gregório Fernandes<br />
tinha apresenta<strong>do</strong> na Sociedade das Ciências Médicas, na<br />
sessão de 4 de Abril de 1891, e conclui que as duas operações<br />
são absolutamente diferentes:<br />
“No caso clínico <strong>do</strong> Sr. Gregório Fernandes, tratava-se de um<br />
suposto abcesso central, que teria vin<strong>do</strong> complicar a vulgar<br />
othorrea. A apophyse mastoideia e o ouvi<strong>do</strong> médio foram<br />
poupa<strong>do</strong>s, poden<strong>do</strong> talvez no decorrer da sua exploração cirúrgica<br />
lançar na pista da verdadeira localização <strong>do</strong> abcesso,<br />
se elle realmente existia. A minha operação foi determinada<br />
pelo diagnóstico firme de um tumor epithelial que obrigou a<br />
pôr à vista e a manter assim (porque o tumor algumas vezes<br />
se reproduz), o ouvi<strong>do</strong> médio e as suas dependências.”<br />
Gregório Fernandes, ainda no mesmo número da revista,<br />
reponde com uma carta ao colega dizen<strong>do</strong> que este se<br />
tinha equivoca<strong>do</strong> e que ele tinha feito referência, nunca<br />
poderia ter si<strong>do</strong> confundi<strong>do</strong> com uma mastoidectomia ra-