Livro Historia_ORL em Portugal.pdf - Repositório do Hospital Prof ...
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74<br />
A MEDICINA NO SÉCULO XIX<br />
A operação foi praticada pelas 11 horas da noite, segun<strong>do</strong> o<br />
processo de Trousseau: a criança, já insensível a tu<strong>do</strong>, s<strong>em</strong>i-<br />
-morta, foi deitada <strong>em</strong> decúbito <strong>do</strong>rsal, sobre uma mesa coberta<br />
com um lençol <strong>do</strong>bra<strong>do</strong>. Debaixo <strong>do</strong> pescoço e espáduas<br />
colocou-se uma almofada de certa consistência, para manter<br />
a cabeça de mo<strong>do</strong> a que a traqueia ficasse saliente.<br />
Coloca<strong>do</strong>s à direita <strong>do</strong> paciente, fiz<strong>em</strong>os uma prega transversal<br />
na pele da parte média da região traqueal. Um <strong>do</strong>s<br />
colegas segurava a sua extr<strong>em</strong>idade esquerda e a outra era<br />
sustida pela nossa mão esquerda: com um canivete convexo<br />
na mão direita, incisámos perpendicularmente, a parte<br />
média desta prega, compreenden<strong>do</strong> a pele e a fascia superficial.<br />
Ficou então uma incisão vertical, na linha mediana da<br />
região traqueal, isto é, estendida da altura <strong>do</strong> bor<strong>do</strong> inferior<br />
da cartilag<strong>em</strong> cricoideia ao esterno.<br />
Incisámos depois a aponevrose cervical, servin<strong>do</strong>-nos da<br />
pinça de dissecção da sonda arrejoada e <strong>do</strong> canivete pontiagu<strong>do</strong>.<br />
Separámos com a sonda um <strong>do</strong> outro, os músculos<br />
esterno-tiroideus e as veias <strong>do</strong> plexo infra-hioideu, que corriam<br />
paralelas.<br />
Com os tenáculos rombos, separámos os bor<strong>do</strong>s da ferida<br />
para descobrirmos a traqueia, então encontrámos a artéria<br />
tiroideia inferior direita, laqueámos esta artéria <strong>em</strong> <strong>do</strong>is pontos<br />
próximos e cortámo-la. Apareceu depois a traqueia na<br />
extensão de uma polegada, ten<strong>do</strong> encostada à sua direita a<br />
artéria carótida primitiva, que desviámos.<br />
B<strong>em</strong> limpo o fun<strong>do</strong> da ferida com esponja, e fixa a traqueia<br />
com o de<strong>do</strong> indica<strong>do</strong>r esquer<strong>do</strong>, fiz<strong>em</strong>os uma punção no<br />
orgão, cravan<strong>do</strong> o escalpelo perpendicularmente, logo abaixo<br />
da cartilag<strong>em</strong> cricoideia. Logo que penetrámos na traqueia e<br />
cortámos um ou <strong>do</strong>is <strong>do</strong>s seus anéis cartilaginosos, um ruí<strong>do</strong><br />
notável, devi<strong>do</strong> à passag<strong>em</strong> <strong>do</strong> ar pela ferida, anunciou a abertura<br />
da traqueia. Em seguida, substituímos o escalpelo pontiagu<strong>do</strong><br />
pelo de botão, com o qual cortámos mais três ou<br />
quatro anéis da traqueia <strong>em</strong> seguimento aos primeiros. Aberta<br />
assim, largamente a traqueia saiu uma onda de líqui<strong>do</strong> com<br />
flocos m<strong>em</strong>branosos. Introduzimos logo o dilata<strong>do</strong>r de Trousseau,<br />
e entre os seus ramos met<strong>em</strong>os a cânula <strong>do</strong>brada de Borgelat,<br />
reconhecen<strong>do</strong> a passag<strong>em</strong> de ar pela cânula, retirámos<br />
o dilata<strong>do</strong>r e segurámos a cânula com uma fita própria.<br />
A união das extr<strong>em</strong>idades da ferida com adesivo posto de<br />
trás <strong>do</strong> pavilhão da cânula e uma tira de colocar à volta <strong>do</strong><br />
pescoço completaram a operação.”<br />
Tal como já referi anteriormente, o primeiro Cirurgião a<br />
realizar uma traqueotomia <strong>em</strong> <strong>Portugal</strong>, para um caso<br />
de Crup, <strong>em</strong> 1851, foi JOAQUIM THEOTÓNIO DA SILVA<br />
que foi também o primeiro cirurgião, <strong>em</strong> <strong>Portugal</strong>, a generalizar<br />
a eterização (utilização de Éter para anestesiar<br />
os <strong>do</strong>entes) <strong>do</strong>s opera<strong>do</strong>s, assim como a realizar as primeiras<br />
experiências com o clorofórmio <strong>em</strong> animais <strong>do</strong>mésticos.<br />
Joaquim Teotónio da Silva nasceu <strong>em</strong> Lisboa<br />
FIGURA 58<br />
jOaQUiM ThEOTÓniO Da SiLVa (1817 - 1896 ) FOi O PRiMEiRO ciRURGiÃO a<br />
REaLiZaR UMa TRaQUEOTOMia EM PORTUGaL PaRa UM caSO DE cRUP, EM 1851<br />
<strong>em</strong> 1817 e a ele se deve também a extirpação completa<br />
<strong>do</strong> astrágalo (1875), entre outras inovações cirúrgicas.<br />
JOAQUIM THEOTÓNIO DA SILVA foi director da Enfermaria<br />
de Santo Onofre, <strong>do</strong> <strong>Hospital</strong> de S. José, Lente de Obstetrícia<br />
e Regente de Patologia Externa e Clínica Geral da Escola<br />
Médica de Lisboa, além de Presidente da Sociedade<br />
de Ciências Médicas de 1856 - 1858, era Médico Honorário<br />
da Real Câmara e faleceu <strong>em</strong> Lisboa no dia 25 de Março<br />
de 1896.<br />
No Jornal da Sociedade de Ciências Médicas de Lisboa, no<br />
dia 8 de Janeiro de 1859, JOAQUIM THEOTÓNIO DA SILVA<br />
descreve um caso de traqueotomia, que realizou numa<br />
criança, e no final <strong>do</strong> artigo, faz algumas considerações<br />
referin<strong>do</strong> o facto de ter realiza<strong>do</strong> esta cirurgia desde 1851.<br />
Diz o cirurgião:<br />
“É a oitava vez que pratico a operação de traqueotomia, e é<br />
a terceira vez que consigo fazer voltar á vida crianças votadas<br />
a uma morte certa.<br />
Este resulta<strong>do</strong> favorável veio confirmar a opinião <strong>em</strong> que eu estava<br />
quan<strong>do</strong> <strong>em</strong> 1851, ousei <strong>em</strong>pregar este recurso, que <strong>em</strong> <strong>Portugal</strong><br />
ninguém antes de mim tinha ensaia<strong>do</strong> como meio de<br />
curar o croup.