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Iracema, mon amour - Cabine Cultural

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Durante toda a viagem havia ambulantes vendendo água, li<strong>mon</strong>ada,<br />

refrigerante e todo o tipo de comida. A cada parada os ambulantes se abasteciam<br />

e ganhavam reforços. Os vagões eram invadidos por uma horda de crianças e<br />

mulheres que também vendiam bebidas e comidas. Durante todo o percurso, só vi<br />

apenas um homem trabalhando, e era um senhor de certa idade. O resto dos<br />

ambulantes eram todas mulheres e crianças. Notei uma hierarquia entre os<br />

gêneros que nos eram oferecidos. As crianças pequenas (abaixo dos 10 anos)<br />

vendiam limões, li<strong>mon</strong>adas e refrescos típicos, os produtos mais baratos. As<br />

crianças mais velhas vendiam refrigerantes, chá, café e “água Lindóia” (eles<br />

chamam de “água Lindóia” todas as águas minerais industrializadas). As mulheres<br />

e senhoras ficavam responsáveis por vender os produtos alimentícios. Frangos<br />

fritos e assados, peixes fritos, sacos plásticos contento arroz e ovo cozido, sopas,<br />

batatas assadas, espetinhos, e muitas outras coisas. Havia desde itens avulsos a<br />

pratos de isopor cuidadosamente <strong>mon</strong>tados. Penso que a hierarquia é feita<br />

seguindo critérios de preço e lucro. Vejam bem, se uma criança pequena (há<br />

ambulantes com quatro ou cinco anos!) for trapaceada ou assaltada dentro do<br />

trem, elas perderiam uma mercadoria de pouco valor e, conseqüentemente,<br />

perderiam pouco dinheiro. Segue o mesmo raciocínio com as crianças maiores<br />

que vendem refrigerantes e com as mulheres e senhoras que vendem comida.<br />

Sendo que a última categoria, de mulheres e idosas, é mais respeitada, podendo<br />

prevenir-se contra roubos e trapaças. É revoltante ver a quantidade de crianças<br />

que trabalham na Bolívia, é algo muito comum e diria até que elas são a base da<br />

economia de muitas famílias. Principalmente das famílias que vivem nos pobres e<br />

decadentes vilarejos à beira da estrada de ferro. Vilarejos que subsistem graças<br />

às paradas dos trens. O comércio no trem é constante e dinâmico. Todo instante<br />

há alguém vendendo ou comprando alguma coisa. Seja no interior, ou nas janelas,<br />

durante as freqüentes paradas. Antes de cairmos no sono (ou ao menos, tentar),<br />

ainda vimos algo marcante. Contrabandistas ou traficantes, sabe-se lá, pararam o<br />

trem no meio de uma clareira. Já estava muito escuro e houve uma intensa<br />

movimentação dos funcionários do trem. Alguns seguranças corriam de arma em<br />

punho. Lá nos vagões do fundo, na primeira classe, havia uma gritaria e uma zona<br />

geral. O pessoal que parou o trem jogava caixas e mais caixas para dentro do<br />

trem, todas embaladas com fitas adesivas, daquelas que a gente vê em<br />

reportagens de apreensão de drogas. Gritos. Alvoroço. Luzes piscando. E um tiro.<br />

Caralho! Dispararam uma arma lá no fundo! Nós ficamos sem saber a autoria do<br />

disparo. Partiu de dentro, dos seguranças, ou de fora, dos contrabandistas? Não<br />

posso responder. Depois do tiro, os gritos se silenciaram por um instante. Eu,<br />

muito burro, me portava como alvo de bala perdida. Acompanhava a discussão<br />

com a cabeça para fora da janela. O trem prosseguiu e não se tocou mais no<br />

assunto. O pessoal conseguiu carregar boa parte das caixas na primeira (última,<br />

lembrem-se) classe, e lá os funcionários do trem não se arriscariam a procurá-las.<br />

Dormi ao som de crianças vendendo li<strong>mon</strong>ada “fria” (gelada, em espanhol).<br />

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