Iracema, mon amour - Cabine Cultural
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4º Dia – Antes da Paz, Andes<br />
Estrada/La Paz, 31/12/04.<br />
Acordei bem cedo, antes mesmo das 6h00. Espantei-me com a cordilheira<br />
dos Andes. Uma visão celestial, a união entre o céu e a terra. De tão maravilhado<br />
que estava, nem me dei conta que meus ouvidos doíam muito. Além do mais, tive<br />
um princípio de dor de cabeça. E foi tudo o que a mudança brusca de altitude<br />
causou em meu organismo. Na madrugada, à medida que o ônibus subia, a<br />
temperatura caía. Nada que minha jaqueta não agüentasse, além do fato de estar<br />
sentado em cima do aquecedor do ônibus. Mais uma vez aproveitamos o calor<br />
para secar nossas toalhas. Estávamos ficando bons na fina arte de secar toalhas<br />
durante viagens. A cordilheira dos Andes, no ponto em que estávamos, nada mais<br />
era do que um <strong>mon</strong>struoso e gigantesco aglomerado de rochas avermelhadas e<br />
terra também em tons rubros. Ainda assim, era espetacular. Os desenhos, as<br />
formas (ou a falta delas), as cores, a ausência de horizonte, as nuvens muito<br />
próximas; tudo compunha uma paisagem inédita para mim. Quase lunar. A<br />
estrada que percorríamos era de pista única, bem estreita e extremamente<br />
sinuosa. Passávamos por desfiladeiros enormes e eu não vi nenhum guard rail.<br />
Os bolivianos também conservam o macabro hábito de colocar cruzes e pequenos<br />
altares em locais de acidentes fatais. Pela quantidade de cruzes que eu vi e pela<br />
periculosidade da estrada, devem acontecer muitos. Depois de subirmos mais<br />
algumas centenas metros, apareceram vegetações irregulares e rasteiras, vimos<br />
também as primeiras lhamas e algumas parcas cabeças de gado.<br />
No busão, nós conhecemos um goiano que atendia pelo equivocado nome<br />
de Cleudismar. Ou seria Claudismar? Não me lembro. Estava acompanhado de<br />
uma boliviana chamada Melvia. O cara estava na Bolívia há seis anos, fez<br />
medicina e estava já na residência, ou internato, como ele mesmo falou. Melvia<br />
disse ser carateca, vice-campeã mundial e o escambau. Com mil perdões, não sei<br />
que categoria ela lutava, mas seu físico gorducho estava mais para personagem<br />
de um quadro do Brotero. O goiano (chamá-lo assim era mais fácil) nos disse<br />
muitas coisas sobre a vida na Bolívia. Falou sobre petróleo, táxis, carros, rebocos<br />
de casa, La Paz, alimentação e tal. No caminho pelas alturas, passamos por<br />
alguns vilarejos andinos, com lhamas e mulheres envergando seus coloridos trajes<br />
típicos, as chamadas cholas. O ônibus seguia parando constantemente. Ora para<br />
o pessoal mijar, ora para subirem mais pessoas. Mesmo lotado, as pessoas<br />
entravam e ficavam em pé, ou se acomodavam deitadas no corredor mesmo. Era<br />
um destes ônibus com uma parte térrea e um primeiro andar. Por sorte ficamos na<br />
parte de baixo, menor e sem possibilidade de alguém se acomodar no corredor.<br />
Lá em cima estava cheio de pessoas em pé, caindo uns por sobre os outros a<br />
cada tranco e a cada curva dos Andes. O compartimento superior também fedia a<br />
vômito e urina.<br />
Paramos perto de Oruro para um desayuno (café da manhã). Era uma<br />
lanchonete apresentável que nos serviu um delicioso café com leite e pães. Leite<br />
de lhama, como nos informaram. Sinceramente, acho que era mentira. Inventaram<br />
essa história de leite de lhama para enganarem dois turistas bestas. Não importa,<br />
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