Iracema, mon amour - Cabine Cultural
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vendia filmes, câmeras, postais e outros produtos relacionados à fotografia. Num<br />
dos cantos tinha um balcão onde acontecia o câmbio. Igual a esta, tinham muitas<br />
outras lojas em Cuzco, na mesma rua inclusive, a poucos metros de distância.<br />
Expliquei a situação para a funcionária e ela me respondeu dizendo que o câmbio<br />
era totalmente independente da loja, que “nem conhecia a outra mulher”. Tudo<br />
bem, me engana que eu gosto. Esbocei pular o balcão e dirigir-me à parte de trás<br />
da loja para tentar achar a funcionária fujona do câmbio. Pensei melhor e desisti,<br />
seria uma de<strong>mon</strong>stração de força inútil, a funcionária do câmbio já deveria ter<br />
fugido. Saí para chamar algum policial. O guarda encontrado poderia muito bem<br />
ter participado do exército de Brancaleone. Era um tipo nanico, franzino e não<br />
de<strong>mon</strong>strou o menor interesse em me ajudar. Eu o ouvi falando em seu rádio,<br />
“mais um problema com notas falsas”. Pela naturalidade de sua voz, eu percebi<br />
que o acontecimento deveria ser algo pra lá de corriqueiro. Contei o caso e o levei<br />
até a loja. Ele fez exatamente as mesmas perguntas que eu já tinha feito e obteve<br />
também as mesmas respostas. Perguntei se não poderíamos entrar na parte de<br />
trás da loja. “Não, sem um mandato”. Perguntei se ele não poderia fechar a loja ou<br />
lacrar a barraca de câmbio. “Não, sem uma autorização”. Não perguntei mais<br />
nada, saí de lá com vontade de estapear a dissimulada funcionária e surrar o<br />
gambé de merda. A grana perdida nem era tanta, mas a raiva por ter sido<br />
enganado em um lugar que deveria ser confiável, a raiva pela funcionária<br />
mentirosa, e a raiva pela incompetência e complacência do policial, motivaram-me<br />
tomar outras atitudes. Segui até o Centro de Informações Turísticas para fazer<br />
uma reclamação e tentar, ao menos, fazer algum barulho e alguma propaganda<br />
negativa da loja desleal. O CIT estava fechado. A nota era uma falsificação tão<br />
rudimentar que eu não teria a menor chance em tentar passá-la para frente. A<br />
hipótese até passou pela minha cabeça, mas depois de olhar para a nota<br />
novamente, prontamente desisti. Antes de voltar para a rodoviária, ainda passei no<br />
hotel para tentar encontrar o pessoal. Falei com o tio responsável e ele me disse<br />
que os brasileiros estavam lá sim, mas tinham saído, achava que tinham ido<br />
comer. Na LAN house ao lado do hotel eu encontrei o Breno. Contei a história e<br />
deixei a nota falsa com ele. No dia seguinte ele iria lá na loja com outro policial e<br />
iria tentar trocar a nota. Iria também fazer a reclamação no CIT, como eu havia<br />
tentado. Nos despedimos mais uma vez e voltei para a rodoviária.<br />
Reencontrei o Anselmo e desabafei com ele. Eu estava realmente muito puto<br />
comigo mesmo. Primeiro foi a máquina, agora era a grana. E tudo por vacilo meu.<br />
Erros exclusivamente meus. “Idiota”, vocês devem estar falando. Sim, podem<br />
xingar. Foi assim mesmo que eu me senti. Um idiota, um vacilão, um loser. E toda<br />
aquela bobagem de purificação espiritual e física escorria para dentro de um ralo<br />
da minha auto-estima. Provação? Renascimento? Para quê? De nada adianta.<br />
Nada. Entrei no ônibus emputecido. Fazia muito frio. Antes de dormir ainda assisti<br />
ao filme Tróia. Tinha lido e ouvido críticas devastadoras, mas não poderia<br />
imaginar que o filme fosse tão ruim. As críticas foram leves. É péssimo, horrível.<br />
Bateu o sono forte. E o frio, também forte, não deixou de bater até a manhã do dia<br />
seguinte.<br />
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