Iracema, mon amour - Cabine Cultural
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vocês falam no Brasil, inglês?” “Não, português”. Há um mistério lingüístico muito<br />
curioso entre falantes do português e do espanhol. Entendemos o espanhol com<br />
relativa facilidade, mas o inverso não acontece. Quando o pessoal não queria que<br />
nós escutássemos alguma coisa, eles falavam em línguas nativas, como o<br />
quíchua e o aimara, por exemplo. O caso da língua portuguesa é interessante, não<br />
sei se é o ritmo, a velocidade, os sons nasais, ou se são os “nhás”, e “nhe nhe<br />
nhens” que dificultam o entendimento dos nossos hermanos falantes de espanhol.<br />
Deve ser um pouco de tudo, mas a verdade é que o português é uma língua<br />
incompreensível para eles. Salvo o pessoal da fronteira, ou que está acostumado<br />
a lidar com turistas brasileiros, o resto não entende uma vírgula. É muito curioso,<br />
perguntaram se éramos chilenos, argentinos, bascos, americanos, franceses... Até<br />
que surpreendiam com nossa resposta: “brasileiro”. Há ainda, segundo o<br />
Claudismar (ou seria Cleudismar?), uma maneira de tornar o português mais<br />
incompreensível ainda, elevá-lo à categoria de código secreto. Basta falar tudo no<br />
diminutivo e eles não entendem bulhufas quando abusamos dos sons “inhos” e<br />
“inhas”. Tentamos até arriscar a dica; “Anselminho, você não acha que o precinho<br />
deste restaurantezinho está carinho?” “Acho Dieguinho, e a comidinha está uma<br />
porcariazinha”. Desistimos. Como vocês puderam notar, parecíamos um casal de<br />
bichonas trocando afagos e confissões. Quando queríamos ter certeza absoluta<br />
que não estávamos sendo compreendidos, bastava falar rápido e cheio de gírias.<br />
Ou ainda, quando queríamos tirar um sarro e desvencilhar vendedores insistentes<br />
que tentavam nos empurrar as mais variadas quinquilharias, conversávamos com<br />
palavras em tupi-guarani. “Pacaembu pipoca no asfalto do Anhangabaú?”<br />
“Morumbi e Maracanã de ponta cabeça em Ubatuba!” “É verdade! Itanhaém tem<br />
Tietê de bicicleta em Pirajuí”. Os vendedores caíam fora com cara de tacho.<br />
Evidentemente eles não entendem nada de tupi-guarani, tampouco nós.<br />
Perguntamos ao taxista se ele tinha idéia de quantos habitantes teria a<br />
cidade de Lima. O homem fez uma pausa teatral, pensou, e disse que já deveria<br />
estar em torno dos 40 mil habitantes. “40 mil?” Respondeu afirmativamente.<br />
“Anselmo – disse eu – 40 mil cabem no estádio”, passávamos exatamente perto<br />
do estádio nacional de Lima, onde em 2004 o Brasil ganhou a Copa América<br />
vencendo a Argentina nos pênaltis. O tiozinho não tinha a menor idéia do que<br />
estava falando. Não fizemos mais perguntas difíceis, ficamos conversando<br />
amenidades. Futebol, mais precisamente. Saíamos do centro e seguíamos em<br />
direção ao mar, andamos por uns bons 15 minutos e chegamos em Miraflores. É o<br />
melhor bairro de Lima, moradia da classe média alta e elite peruana. É muito<br />
arborizado, limpo e organizado. Lembra os bairros Jardins, em São Paulo. Tem<br />
ruas, avenidas e rotatórias claramente inspiradas no projeto urbanístico de Paris.<br />
Todas as grifes famosas estão lá. Todos os bancos poderosos também.<br />
Embaixadas e consulados. Agências internacionais de publicidade, escritórios de<br />
design, arquitetura e advocacia. Supermercados, rede de cinemas, shoppings e<br />
rede de fast-food. Restaurantes, pet shops, cafés e boates. Sedes de<br />
multinacionais, hotéis e cassinos. Luxuosos prédios residenciais e condomínios.<br />
Casa maneiras e ruas exclusivamente para residências. A piada infame não<br />
tardou a aparecer. Primeiro vimos o bagaço, agora sentíamos o suco de Lima. Era<br />
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