Iracema, mon amour - Cabine Cultural
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seus valores perdidos. E também ainda mais perdidos na epopéia pátria de forjar<br />
e identificar-se com novos valores, algo que nós brasileiros, para mim, estamos<br />
conseguindo, mesmo que seja a passos de tartaruga trôpega e bêbada.<br />
Em frente à debilitada estação de trens de Puerto Quijaro, havia dezenas de<br />
cambistas. Todos sentados em cadeiras nas ruas. Ou melhor, todas. Só vi<br />
mulheres trabalhando de cambistas. O câmbio estava de 8 bolivianos (B$) para 1<br />
dólar (US$). Na Bolívia toda, nós não achamos nada superior a B$8,04 para<br />
US$1,00. Trocamos uma grana e nos dirigimos para a imensa e tumultuada fila<br />
que se juntava no portão principal da estação. Os guardas tinham uma lista com<br />
alguns nomes e só entrava quem estivesse nome na lista. Disseram-nos que a<br />
lista era feita com um dia de antecedência, mas se rolasse uma propina, seria<br />
possível botar nossos lá. Bom, quase tudo na Bolívia é possível apressar com<br />
uma propina. E quase todos são passíveis de aceitar a, digamos, gorjeta.<br />
Qualquer semelhança com o nosso país não é mera coincidência. Mas nós não<br />
pagamos nada e ninguém, a viagem estava sendo feita com poucos recursos<br />
financeiros. A saída foi esperar no tumulto, junto com uma multidão gritando e sob<br />
o sol mais forte que já castigou meu couro. Um calor sem precedentes. Já haviam<br />
me informado que a região de Corumbá é muito quente, mas eu nunca poderia<br />
imaginar que fosse uma filial do inferno. Em pé, suando mais que tampa de<br />
cuscuz, fizemos amizade com quatro caras de Florianópolis, todos estudantes da<br />
Federal de lá. Dois gaúchos, Otávio e Flávio, e dois catarinenses, João e Gabriel.<br />
A temperatura era capaz de derreter a catedral da Sé, forçando-nos a<br />
organizar um revezamento entre a fila ao sol, e protegido à sombra. Revezamos<br />
também para ir comprar água. Liberaram o portão e depois da já esperada<br />
correria, compramos passagens para a classe Pullman. Havia apenas duas<br />
classes disponíveis, a primeira classe e a Pullman. A primeira, apesar do nome, é<br />
a última. Os locais não são numerados e o banco duro não reclina. Além disso, a<br />
empresa sempre vende lugares a mais e o excedente de gente se acomoda no<br />
chão mesmo. Um salve-se quem puder. Na classe Pullman, os bancos são um<br />
pouco mais macios, numerados e reclináveis. Mas isto não garante o conforto,<br />
como viemos saber depois. Apesar das passagens estarem marcadas para 13h00,<br />
o trem só saiu depois das 17h30. Depois de garantir nossos lugares no famoso e<br />
temido Trem da Morte, ainda tínhamos um tempo para comer e tomar um banho.<br />
O banho foi improvisado numa espelunca que alugava canos com água como<br />
chuveiros. Mesmo não sabendo a procedência, pelo menos a água estava gelada.<br />
E o almoço foi um PF num restaurante empoeirado e quente, regado a um<br />
refrigerante chamado boliviano Simbia, com cor e sabor de detergente com<br />
açúcar. Somente depois do almoço nós ficamos sabendo que o trem iria atrasar, e<br />
com tempo à disposição, eu e o Anselmo fizemos uma hora de internet.<br />
Resolvemos então experimentar a cerveja Paceña. É uma boa cerveja, não fica<br />
devendo em nada para as nossas marcas. Aproveitamos o sol para secar nossas<br />
toalhas. Com o calor que estava fazendo, o processo não consumiu mais que<br />
cinco minutos. Estávamos na sombra, bebendo cerveja gelada e mesmo assim eu<br />
continuava despejando suor. Limpava meu rosto a cada dez minutos. Bebemos o<br />
suficiente para nos amolecer. Enquanto bebíamos, um funcionário do bar ao lado,<br />
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