Iracema, mon amour - Cabine Cultural
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situação toda, havíamos chegado de madrugada, a Migración estava fechada, os<br />
oficiais viram nossos passaportes, não nos barraram e nem fizeram objeções a<br />
nossa entrada. O aprendiz de barnabé corrupto tentava nos envolver numa teia<br />
burocrática absurda e sem lógica nenhuma. Um pesadelo kafkiano. No seu<br />
entender, teríamos que desembolsar B$150,00 cada um para ele liberar os<br />
passaportes. Pedimos para ele nos mostrar a legislação onde estaria expressa<br />
nossa infração e também onde estaria o valor exato da multa. É óbvio que não<br />
tinha nada. Era apenas um idiota amparado por um cargo de merda – e por uns<br />
quatro ou cinco oficiais do exército – tentando tirar uma grana fácil. A raiva<br />
preenchia todos os poros do meu corpo e minha vontade era quebrar o filho-daputa<br />
no meio. Agora escrevendo me lembro da cara de asco e paisagem do idiota<br />
e sinto a mesma raiva. Tentamos raciocinar com frieza e dissemos que iríamos ao<br />
hotel pegar dinheiro. De fato nós fomos ao hotel, mas pegamos nossas passagens<br />
de Arequipa a Desaguadero, que poderiam comprovar que tínhamos chegado de<br />
madrugada, quando a Migración estava fechada. Varados pela fome que corroia<br />
nossas entranhas, almoçamos um bife digno de um Fred Flintstone. Se o prato<br />
não primava pela qualidade, satisfez-nos na quantidade. Depois do almoço fomos<br />
até a embaixada brasileira.<br />
Depois de uma habitual dificuldade para entrar no prédio, ficamos esperando<br />
a funcionária atender uma menina que foi roubada por colegas de quarto e estava<br />
totalmente sem grana, sem destino e sem paciência. Chegada a nossa vez<br />
explicamos o ocorrido para a funcionária. Não me lembro o nome dela, mas afirmo<br />
que a mulher era a irmã gêmea do Hélio de La Peña, do Casseta & Planeta. A<br />
sósia do Hélio não acreditou na petulância do funcionário boliviano, chamou o seu<br />
superior. Chegou então o primeiro-secretário da embaixada, um tipo que atendia<br />
pelo suspeito nome de Pedro Miguel de Costa e Silva. O sujeito foi muito<br />
prestativo e solícito, também ficou indignado com o ocorrido. Disse-nos o que<br />
esperávamos: que a retenção dos passaportes era um processo ilegal, em outras<br />
palavras, extorsão. Pelas normas internacionais, temos 24 horas para apresentar<br />
nossos passaportes depois de entrar em algum país. Tem mais outra, como<br />
estávamos na Bolívia antes de irmos ao Peru, nosso primeiro visto de 30 dias<br />
ainda estava válido, independentemente de um carimbo de saída. Resumindo, foi<br />
sacanagem mesmo. O pessoal da embaixada falou que nós fomos usados de<br />
bodes expiatórios, pois os bolivianos estão reclamando muito do tratamento que<br />
recebem da Polícia Federal brasileira ao cruzarem as fronteiras. Ah bom, é essa a<br />
principal diretriz da diplomacia internacional, a reciprocidade. Fodemos os<br />
bolivianos por aqui e eles procuram fazer o mesmo com a gente por lá. E assim<br />
caminha a humanidade.<br />
O primeiro-secretário ligou na Migración, falou grosso com o chefe de lá,<br />
discutiu, mas não teve jeito, não liberariam os passaportes se não pagássemos a<br />
“taxa”. Não pagamos. Antes pagar para tirar outro passaporte a pagar uma<br />
propina ilícita para um sacana de merda. O chefe burocrata boliviano chegou a<br />
falar com todas as letras para o primeiro-secretário, ”é o meu país, são as minhas<br />
leis”. Então está feito, como prosseguir discutindo frente a um argumento<br />
irrefutável como este? O tal Costa e Silva nos assegurou que nossos passaportes<br />
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