O uso <strong>de</strong> drogas na infância e na adolescência em situação <strong>de</strong> rua nas capitais brasileiras...............................39...............................Vale salientar que muitas famílias, embora vivendo em contextos extremamente<strong>de</strong>sfavoráveis, superam as dificulda<strong>de</strong>s ao <strong>de</strong>scobrir e/ou <strong>de</strong>senvolversuas potencialida<strong>de</strong>s (De Antoni et al., 1999). O distanciamento da famíliaestá, portanto, associado a uma série <strong>de</strong> aspectos culturais, da qualida<strong>de</strong> dosvínculos, das condições <strong>de</strong> vida, do grau <strong>de</strong> conflitos, entre inúmeros outrosfatores não avaliados no presente estudo.O critério subjetivo <strong>de</strong> “morar com família” foi um dos principais fatoresassociados ao consumo <strong>de</strong> drogas (Figura 4), em praticamente todas as capitaispesquisadas. Porém foram raros os casos em que a droga foi mencionadacomo motivo para o afastamento da família. O mais comum foi o inverso, ouseja, o consumo <strong>de</strong> drogas ter se intensificado após a situação <strong>de</strong> rua.As relações familiares são consi<strong>de</strong>radas importantes focos <strong>de</strong> programaspreventivos da situação <strong>de</strong> rua e do uso in<strong>de</strong>vido <strong>de</strong> drogas. Os trabalhos comfamílias serão abordados com mais <strong>de</strong>talhes no Capítulo 3 <strong>de</strong>sta publicação.10080604020047,788,6uso no mêsFigura 4: Consumo <strong>de</strong> drogas (uso no mês e uso diário) entre os entrevistados quemoravam com suas famílias comparados aos que não moravam.19,7estava morando com família (1.928)não estava morando com família (879)72,6uso diário..........................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................Elisa, 14 anos, morava com afamília, freqüentava a rua hámais <strong>de</strong> 5 anos e estavacursando a 7 a série. Comentouque, <strong>de</strong> vez em quando,trabalhava em casa <strong>de</strong>família como empregadadoméstica. Relatou ter experimentadobebida alcoólica enunca ter feito uso <strong>de</strong> qualqueroutra droga. Elisa gostaria<strong>de</strong> reformar a casa damãe. Sabia que ter moradiadigna e estudo, eram algunsdos seus diretos.Janaina, 17 anos, estudouaté a 5 a série e não moravacom sua família. Contou quesaiu <strong>de</strong> casa porque a mãe atrancava em casa e a agrediafisicamente, tendo usadouma faca em um dos episódios.A violência se intensificoucom a chegada à famíliado novo companheiro damãe. Antes <strong>de</strong> ir para rua,Janaina disse que havia apenasusado cerveja. Na rua,começou a usar cigarro,maconha, cola e mesclado.Seu maior medo: morrer.Falou que seu maior sonhoé voltar para casa e ter uma“mãe <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>”.
...............................40...............................Capítulo 1A violência e a situação <strong>de</strong> ruaViolência e saú<strong>de</strong>A violência é <strong>de</strong>finida pela OMS(Organização Mundial da Saú<strong>de</strong>)como “o uso intencional <strong>de</strong> forçafísica ou po<strong>de</strong>r, em ameaça ou <strong>de</strong>fato, contra uma pessoa, grupo <strong>de</strong>pessoas ou comunida<strong>de</strong>, que resultaou tem alto potencial <strong>de</strong> resultarem ferimento, morte, dano psicológico,problemas <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimentoou privação”.Esse tema, que antes era encaradocomo uma questão exclusivamente<strong>de</strong> segurança, passou nas últimasdécadas a ser <strong>de</strong>batido no campoda saú<strong>de</strong> e, inclusive, atualmente éconsi<strong>de</strong>rado um dos principais problemas<strong>de</strong> saú<strong>de</strong> pública. A OMSconsi<strong>de</strong>ra a violência um fenômenopassível <strong>de</strong> prevenção e, em suaresolução WHA49.25, recomendapriorida<strong>de</strong> na abordagem das questõesrelacionadas à violência, enfatizandoa necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> avaliarsua magnitu<strong>de</strong> e suas conseqüênciaspara a saú<strong>de</strong> em todos os países(WHO, 2002)...................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................As crianças e os adolescentes em situação <strong>de</strong> rua estão imersos em um gran<strong>de</strong>contexto <strong>de</strong> violência. Para muitos, a violência começa na família <strong>de</strong> origem,para outros, na rua. O tipo e a intensida<strong>de</strong> da violência também são variáveis.Alguns casos são explícitos, com agressões físicas ou verbais. Outros nem tanto.Tão séria quanto as <strong>de</strong>mais formas <strong>de</strong> violência é a negligência social,muitas vezes, expressa na hostilida<strong>de</strong> ou mesmo na indiferença da população,principalmente nas gran<strong>de</strong>s cida<strong>de</strong>s brasileiras.No que diz respeito à violência familiar (Tabela 9), foram observados várioshistóricos <strong>de</strong> agressão, alguns <strong>de</strong>les com uso <strong>de</strong> armas e abuso sexual. Asmães foram as “agressoras” mais mencionadas, seguidas pelos pais e outrosparentes (avós, tios, padrastos, entre outros). É importante consi<strong>de</strong>rar que namaioria das famílias a mãe era o único adulto <strong>de</strong> referência. Também foi freqüentementecitada a embriaguez ou intoxicação por outras drogas pelos “autores”durante as ocorrências. Esses dados indicam que, para muitos, o convíviocom o consumo <strong>de</strong> drogas antece<strong>de</strong> a situação <strong>de</strong> rua, nesse caso não comoproduto, mas como fator que favorece o afastamento das crianças e dos adolescentes<strong>de</strong> suas famílias.Quando os jovens passam a viver em situação <strong>de</strong> rua, a violência acentuasecom a ausência dos sistemas <strong>de</strong> proteção (adultos responsáveis e local <strong>de</strong>moradia), acontecendo em diferentes intensida<strong>de</strong>s (Tabela 10), inclusive comcasos <strong>de</strong> exploração ou abuso (traficantes, “cafetões” ou até mesmo policiais,comerciantes, entre outros). Alguns episódios extremos ganham visibilida<strong>de</strong>,como a chacina da Can<strong>de</strong>lária no Rio <strong>de</strong> Janeiro, em 1997. Outros nem tanto,como, por exemplo, constatado em uma das capitais pesquisadas, on<strong>de</strong> váriosentrevistados mencionaram uma perua do governo que os abandonava no“lixão” da cida<strong>de</strong> (local <strong>de</strong> difícil acesso). Durante o processo <strong>de</strong> entrevistanessa capital, os nossos entrevistadores também sofreram ameaças <strong>de</strong> policiais.Embora existam muitos governantes e profissionais extremamente interessadose comprometidos com a situação <strong>de</strong> rua, é lamentável constatar queainda existem aqueles que reforçam a violência, com atitu<strong>de</strong>s arbitrárias, indiferentese, muitas vezes, <strong>de</strong>sumanas.O consumo <strong>de</strong> drogas está inserido nesse contexto violento. Assim, ampliaro olhar, consi<strong>de</strong>rando o possível histórico <strong>de</strong> violência familiar e/ou comunitária<strong>de</strong> cada criança e/ou adolescentes em situação <strong>de</strong> rua, auxilia nacompreensão <strong>de</strong> muitos comportamentos e sentimentos <strong>de</strong>sses jovens.