O que já fizemos e o que po<strong>de</strong>remos fazer em relação ao uso <strong>de</strong> drogas em situação <strong>de</strong> rua no Brasil...............................71...............................Ainda vale consi<strong>de</strong>rar que, para muitos, a situação <strong>de</strong> rua foi favorecidapelo próprio uso <strong>de</strong> bebidas alcoólicas e/ou outras drogas pelos adultosresponsáveis da família (Tabela 4, pág. 30 e Tabela 9, pág. 41). Nesses casos,<strong>de</strong>veriam ser <strong>de</strong>senvolvidos programas <strong>de</strong> atenção ao consumo da família comoum todo. Essa necessida<strong>de</strong> também tem sido apontada por estudos conduzidosem outros países (McMorris, 2002).Dessa forma, as políticas públicas <strong>de</strong>vem incluir as questões familiares emdiferentes perspectivas. Variando <strong>de</strong>s<strong>de</strong> políticas preventivas da situação <strong>de</strong>rua, como a garantia <strong>de</strong> estruturas básicas <strong>de</strong> apoio aos cuidados das crianças(creches, escolas em período integral, entre outros), estratégias <strong>de</strong> <strong>de</strong>tecçãoprecoce <strong>de</strong> jovens em situação <strong>de</strong> risco social, orientação familiar, abordagenscomunitárias até programas <strong>de</strong> reinserção familiar/social para aqueles que jáestão em situação <strong>de</strong> rua, inclusive com atenção ao consumo <strong>de</strong> bebidas alcoólicase outras drogas na família como um todo...........................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................Relatos dos profissionaissobre a família ea comunida<strong>de</strong>“... então são as mães assumindoas ativida<strong>de</strong>s domésticas,<strong>de</strong> maternida<strong>de</strong> epaternida<strong>de</strong>...“(Rio <strong>de</strong> Janeiro)“... nós fazemos um trabalhoe eles são <strong>de</strong>volvidos à família...a família libera novamentepara as ruas... fica umtrabalho incompleto.” (Manaus)“ ... muitas vezes, a famílianão está preparada. A famíliatem que ser trabalhadaconcomitantemente com acriança e o adolescente...”(Belém)“... você vê que esse pai eessa mãe também já sãofruto <strong>de</strong>ssa miserabilida<strong>de</strong>...é um círculo vicioso... euacredito que boas políticaspúblicas, principalmenteinvestindo nas comunida<strong>de</strong>speriféricas, impediriam quemigrassem tantos meninosprá rua...” (Salvador)“... acontece isso... da famíliaampliada, pai e mãe nemsempre é possível, mas tio,vó, padrinho, amigo... émuito comum, por exemplo,quando as mães estão presase aí a amiga sai <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro dopresídio, essa amiga tomaconta do filho da outra...”(São Paulo)
...............................72...............................Capítulo 3..................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................Os serviços <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> e a situação <strong>de</strong> rua:uma distância a ser transpostaFoi evi<strong>de</strong>nciada, em todas as capitais pesquisadas, a fragilida<strong>de</strong> dos serviços<strong>de</strong> atenção às crianças e aos adolescentes em situação <strong>de</strong> rua, bem como adificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> encaminhamento para tratamento <strong>de</strong> <strong>de</strong>pendência e outros problemas<strong>de</strong> saú<strong>de</strong>. Essa dificulda<strong>de</strong> é tão presente que, embora não tenha sidoalvo central da pesquisa, foi observada em todas as abordagens do estudo, ouseja, no próprio levantamento, no mapeamento das instituições e na conversacom os profissionais.Ao serem questionados sobre as tentativas <strong>de</strong> parar ou reduzir o consumo<strong>de</strong> alguma droga, dos 2.247 entrevistados que respon<strong>de</strong>ram, 1.244 afirmaramjá ter tentado (Tabela 21), dos quais 696 relataram ter tentado sozinhos. Maspara aqueles que consi<strong>de</strong>raram ter tido alguma ajuda, as instituições <strong>de</strong> assistênciaa essa população foram as principais referências. Os serviços <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>foram mencionados por apenas 19 (0,7%) entrevistados, <strong>de</strong>monstrando a enormedistância entre a situação <strong>de</strong> rua e os serviços <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> nas capitais brasileiras.Essa distância, no entanto, não é peculiarida<strong>de</strong> brasileira, uma vez quetem sido observada em outros países. Parecem entrar em questão várias barreiras,como a <strong>de</strong>scrença dos jovens em relação aos profissionais da saú<strong>de</strong>, apouca familiarida<strong>de</strong> com os serviços <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> e, no sentido inverso, os preconceitosdos profissionais em relação à situação <strong>de</strong> rua, a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> permissão<strong>de</strong> familiares para algumas intervenções, entre outros (Geber, 1997).Além disso, muitos profissionais entrevistados relataram não se sentir aptospara encaminhar e/ou lidar com o uso <strong>de</strong> drogas, indicando a necessida<strong>de</strong><strong>de</strong> capacitação para tais procedimentos. É importante que os educadores conheçamas complicações e os comportamentos <strong>de</strong> riscos mais comuns, bemcomo saibam i<strong>de</strong>ntificar as diferenças entre uso, abuso e <strong>de</strong>pendência. Os casos<strong>de</strong> <strong>de</strong>pendência, por exemplo, <strong>de</strong>mandam encaminhamentos mais específicose, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo da situação, um período <strong>de</strong> <strong>de</strong>sintoxicação supervisionado.Os casos <strong>de</strong> uso esporádico, quando necessário, <strong>de</strong>mandam outros tipos <strong>de</strong>abordagens. A orientação segura e o encaminhamento a<strong>de</strong>quado são aspectosbásicos para a efetivida<strong>de</strong> das intervenções.A a<strong>de</strong>são do <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte ao tratamento é uma das gran<strong>de</strong>s dificulda<strong>de</strong>s.No que se refere especificamente aos jovens em situação <strong>de</strong> rua, um estudoconduzido por Smart e Ogborne (1994) sugere índices ainda mais elevados <strong>de</strong>abandono ao tratamento, <strong>de</strong>correntes, especialmente, da carência <strong>de</strong> estruturasocial/familiar característica <strong>de</strong>ssa população. No entanto, outros estudos mostramque, em situações específicas, a chance <strong>de</strong> a<strong>de</strong>rência aumenta, como, porexemplo, quando a intervenção é oferecida em momentos <strong>de</strong> crise, como amorte <strong>de</strong> um amigo, uma doença grave ou uma situação violenta. Essas situações<strong>de</strong>sestruturam o equilíbrio da situação <strong>de</strong> rua e favorecem o oferecimento<strong>de</strong> alternativas. Essas intervenções <strong>de</strong>vem ocorrer muito rapidamente, antesque o equilíbrio se reinstale (Auerswald & Eyre, 2002). Daí a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong>uma ampla re<strong>de</strong> <strong>de</strong> assistência extremamente eficiente e ágil, adaptada às características<strong>de</strong>ssa população.O Projeto Quixote (São Paulo) e o Consultório <strong>de</strong> Rua (Salvador), anteriormentemencionados, são dois projetos brasileiros que se <strong>de</strong>stacam pela partici-