O que já fizemos e o que po<strong>de</strong>remos fazer em relação ao uso <strong>de</strong> drogas em situação <strong>de</strong> rua no Brasil...............................63...............................públicas: o <strong>de</strong> enfocar não apenas a droga, mas, principalmente, os jovens e ocontexto social. O abuso excessivo <strong>de</strong> drogas entre crianças e adolescentes emsituação <strong>de</strong> rua não po<strong>de</strong> ser visto exclusivamente como um problema em si,mas também como um sintoma que indica uma série <strong>de</strong> aspectos sociais, inclusivea omissão da socieda<strong>de</strong> diante <strong>de</strong>ssas crianças e adolescentes.A repressão torna-se ainda questionável quando envolve violência contraos jovens em situação <strong>de</strong> rua. Além <strong>de</strong> pouco efetivas, as situações repressivasmuitas vezes acentuam conflitos, <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ando um clima <strong>de</strong> estresse aindamaior, fator este que, paradoxalmente, aumenta a <strong>de</strong>manda para uso <strong>de</strong> drogas(Schnei<strong>de</strong>r, 1991). Além disso, a repressão distancia ainda mais a políciados jovens. Os policiais <strong>de</strong>veriam ser os representantes da segurança para apopulação como um todo, especialmente para as crianças e os adolescentes emsituação <strong>de</strong> vulnerabilida<strong>de</strong>, mas, na prática, essa teoria parece ocorrer àsavessas. Quando questionados se já haviam procurado ajuda da polícia, osentrevistados respon<strong>de</strong>ram: “não confio na polícia”, “não gosto <strong>de</strong>les”, “tenhovergonha”, “eles me batem”, “eles não dão valor para pivete”, “tenhomedo”, “eles não acreditam no nosso pedido <strong>de</strong> ajuda, falam para aguardar enunca mais voltam”...........................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................Relatos dos profissionaissobre o tráfico, arepressão e a violência“... na rua elas têm contatocom traficante, com repassadores,com outros usuários<strong>de</strong> drogas, com a polícia, queàs vezes é violenta tambémcom elas...” (João Pessoa)“... outra questão são osgrupos nos miolos das favelas,on<strong>de</strong> se ven<strong>de</strong> droga...as crianças ficam nos arredorespor que elas têm o apoio,têm a cobertura do traficanteali da favela...” (Curitiba)“... ele praticar atos antisociaisfaz parte, ele ficarexposto faz parte, ele sermaltratado por intervençõespoliciais faz parte... nós nãogostamos disso, mais isso éa dinâmica da rua...”(Belo Horizonte)“... a questão da droga nãoestá só no uso <strong>de</strong>la e nacomercialização... as pessoasmorrem <strong>de</strong> medo <strong>de</strong> trabalharcom menino em conflitocom a lei...” (São Paulo)“... uma dificulda<strong>de</strong>... é ummodo <strong>de</strong> proteção para aspessoas que queiram <strong>de</strong>nunciar...”(Rio Branco)“... e prá mim a pior droga<strong>de</strong> todas é o álcool... porqueimpele os meninos prá ruaporque os pais ou padrasto,mães ou madrastas, ingereme <strong>de</strong>scarregam com violência,com abusos, e termina omenino fugindo disso...”(Salvador)
...............................64...............................Capítulo 3A informação: sua importância e seus limites na prevençãoOs diferentes níveis<strong>de</strong> prevenção:primária, secundária e terciáriaAs intervenções <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> pública sãotradicionalmente caracterizadas por trêsníveis <strong>de</strong> prevenção: primária, secundáriae terciária. Para o consumo in<strong>de</strong>vido<strong>de</strong> drogas, essa classificação foi transpostada seguinte forma:. prevenção primária: conjunto <strong>de</strong> açõesque procura evitar o uso <strong>de</strong> drogas, visandodiminuir a probabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> novaspessoas começarem a usar;. prevenção secundária: conjunto <strong>de</strong>ações que procura evitar a ocorrência <strong>de</strong>complicações para as pessoas que fazemuso ocasional <strong>de</strong> drogas;. prevenção terciária: conjunto <strong>de</strong> açõesque, a partir <strong>de</strong> um uso problemático <strong>de</strong>drogas, procura evitar prejuízos adicionaise/ou reintegrar na socieda<strong>de</strong> os indivíduoscom problemas mais sérios.(WHO, 1992; Noto & Moreira, 2004)Intervenções universais,seletivas e indicadasNesta classificação estão implícitos osconceitos <strong>de</strong> fatores associados à proteçãoe ao risco, consi<strong>de</strong>rando a multiplicida<strong>de</strong><strong>de</strong> fatores envolvidos no usoabusivo e na <strong>de</strong>pendência <strong>de</strong> drogas. Enquantona classificação tradicional (primária,secundária, terciária) o foco é ograu <strong>de</strong> envolvimento do indivíduo coma droga, nesta passa a ser centrado nascaracterísticas do indivíduo ou na população,da seguinte forma:. intervenções universais: programas<strong>de</strong>stinados à população geral, supostamentesem qualquer fator específico associadoao risco;. intervenções seletivas: ações voltadaspara populações com um ou mais fatoresassociados ao risco para o uso in<strong>de</strong>vido<strong>de</strong> substâncias;. intervenções indicadas: incluem intervençõesvoltadas especificamente parapessoas i<strong>de</strong>ntificadas como usuárias oucom comportamentos direta ou indiretamenterelacionados ao uso in<strong>de</strong>vido<strong>de</strong> substâncias.Neste referencial <strong>de</strong> classificação, aoprivilegiar o enfoque na população (ouno indivíduo), fica implícita a importânciada análise das características da população-alvoao se planejar uma intervenção.Assim, programas universais,quando aplicados a populações queapresentam vários fatores <strong>de</strong> risco, que<strong>de</strong>mandariam programas seletivos, corremo risco <strong>de</strong> se tornarem improdutivosou até contraproducentes.(Gilvarry, 2000; Noto & Moreira, 2004;WHO, 2002)..................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................................A informação <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> é um aspecto básico para qualquer programa preventivo.Historicamente, as primeiras intervenções informativas exploraram oamedrontamento (divulgação apenas dos prejuízos causados pelas drogas),viés este que foi avaliado como contraproducente em diversos estudos. Posteriormente,começou a ser utilizado o mo<strong>de</strong>lo da informação científica nãoten<strong>de</strong>nciosa (informação geral e isenta). Foi concluído, porém, que a informaçãoquando aplicada isoladamente não tem muito sucesso enquanto medidapreventiva, uma vez que, embora ela seja capaz <strong>de</strong> mudar alguns conceitos dapopulação-alvo, isso não implica, necessariamente, uma mudança <strong>de</strong> comportamento(Carlini-Cotrim, 1992; Dorn & Murji, 1992; Noto et al., 1994; Boothet al., 1999).Essas limitações dos mo<strong>de</strong>los informativos foramconfirmadas no presente levantamento. Quandoquestionada sobre as conseqüências para a saú<strong>de</strong>,a gran<strong>de</strong> maioria dos usuários tinha conhecimentodos danos <strong>de</strong>correntes do uso (Tabela 18), como:“estraga o pulmão”, “emagrece”, “acaba com a pessoa”,“<strong>de</strong>ixa louco”, “faz mal para o coração”.Muitos já haviam tido problemas graves <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>.No entanto, esse conhecimento não parece ter sidosuficiente para promover uma mudança <strong>de</strong> comportamento.Por outro lado, a maioria dos não-usuários alegouevitar o uso por saber que “faz mal à saú<strong>de</strong>”,sugerindo que o esclarecimento po<strong>de</strong> ser relevantepara alguns (Tabela 18). O mesmo vale para as informaçõese as orientações voltadas para a redução<strong>de</strong> danos entre os usuários. A divulgação <strong>de</strong>informações <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> é o primeiro passo <strong>de</strong>qualquer medida preventiva, porém, acreditar queesta seja uma intervenção preventiva em si é <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>rartodo o contexto que envolve a situação <strong>de</strong> rua.A transmissão da informação através <strong>de</strong> pares, ou seja, através <strong>de</strong> outrosjovens em situação <strong>de</strong> rua, foi sugerida por alguns dos profissionais entrevistados.Esse mo<strong>de</strong>lo também tem sido <strong>de</strong>batido na literatura internacional, nãoapenas para o uso <strong>de</strong> drogas, mas também para questões <strong>de</strong> sexualida<strong>de</strong> eoutros cuidados com a saú<strong>de</strong> <strong>de</strong> forma geral (Booth et al., 1999). Os paresten<strong>de</strong>m a inspirar maior confiança e credibilida<strong>de</strong>, além <strong>de</strong> utilizarem umaforma <strong>de</strong> comunicação mais compreensível ao grupo.Vale salientar que mo<strong>de</strong>los universais <strong>de</strong> prevenção, como a divulgação <strong>de</strong>informações muito gerais, ten<strong>de</strong>m a ser pouco efetivos ou até mesmo ina<strong>de</strong>quadospara populações <strong>de</strong> risco, como as crianças e os adolescentes em situação<strong>de</strong> rua. Essas populações <strong>de</strong>mandam mo<strong>de</strong>los mais específicos, como osseletivos e/ou indicados. Portanto, a divulgação <strong>de</strong> informações <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong><strong>de</strong>ve ser apenas uma das metas em integração com várias outras intervenções.