Mostra, em primeiro lugar, que a herança legal recebida <strong>de</strong> Portugalteria uma gran<strong>de</strong> confusão entre a Administração e o Po<strong>de</strong>r Judiciário, <strong>de</strong>correntealiás, como indica, da circunstância <strong>de</strong> tratar-se <strong>de</strong> monarquia absoluta, alheia àdivisão dos Po<strong>de</strong>res. Segundo aquela legislação, os juízes exerciam muitasfunções administrativas.Antes <strong>de</strong> introduzir as reformas pertinentes ao novo regime - isto é,a<strong>de</strong>quar a monarquia tradicional aos institutos do sistema representativo -competia, segundo Uruguai, separar inteiramente as funções administrativas dasjudiciárias para em seguida <strong>de</strong>legá-las aos Po<strong>de</strong>res competentes. Nada disso sefez, cuidando-se tão-somente, segundo suas próprias palavras, <strong>de</strong> "tornar aautorida<strong>de</strong> judicial, então po<strong>de</strong>rosamente influente sobre a administração,completamente in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte do po<strong>de</strong>r administrativo pela eleição popular. Ogoverno ficou, portanto, sem ação própria sobre agentes administrativos tambémdos quais <strong>de</strong>pendia sua ação, e que todavia eram <strong>de</strong>le in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes". Os juízes<strong>de</strong> paz, "filhos da eleição popular, criaturas da cabala <strong>de</strong> uma das parcialida<strong>de</strong>sdo lugar", foram cumulados <strong>de</strong> atribuições, na esfera criminal e outros,abrangendo, inclusive, aquelas relacionadas ao processo eleitoral."Sucedia vencer as eleições uma das parcialida<strong>de</strong>s em que estavamdivididas as nossas Províncias, prossegue Uruguai. A maioria da AssembléiaProvincial era sua. Pois bem, montava o seu partido e, por exemplo, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>nomeados para os empregos e postos da Guarda Nacional homens seus, fazia-osvitalícios. Amontoava os obstáculos para que o lado contrário não pu<strong>de</strong>sse para ofuturo governar. Fazia Juízes <strong>de</strong> Paz seus, e Câmaras Municipais suas. Estasautorida<strong>de</strong>s apuravam os jurados e nomeavam, indiretamente, por propostas, osJuízes Municipais, <strong>de</strong> Órfãos e Promotores. Edificava-se assim um castelo,inexpugnável, não só para o lado oprimido, como ainda mesmo para o GovernoCentral". Quer dizer, um instrumento do novo regime - a eleição - fora colocadoao serviço da dominação <strong>de</strong> uma das facções em luta ao arrepio <strong>de</strong> suas funçõespróprias, que eram a seleção do representante apto à <strong>de</strong>fesa dos interesses, masobrigado a fazê-lo mediante a negociação em vez da imposição.Nas reformas do período do Regresso aboliu-se a eleição do juiz <strong>de</strong>paz. As instituições do Judiciário e da polícia passaram a subordinar-se ao Po<strong>de</strong>rCentral. Lançavam-se as bases para a organização <strong>de</strong>finitiva da justiça,assegurando-lhe a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser <strong>de</strong> fato in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte. A respeito escreveUruguai: "A Lei <strong>de</strong> Interpretação do Ato Adicional, e a <strong>de</strong> 3 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1841(Código <strong>de</strong> Processo), modificaram profundamente esse estado <strong>de</strong> coisas. Po<strong>de</strong>por meio <strong>de</strong>las ser montado um partido, mas po<strong>de</strong> também ser <strong>de</strong>smontado quandoabuse. Se é o governo que monta terá contra si, em todo o Império, todo o ladocontrário. Abrir-se-á então uma luta vasta e larga, porque terá <strong>de</strong> basear-se emprincípios, e não na luta mesquinha, odienta, mais perseguidora e opressiva, daslocalida<strong>de</strong>s. E se a opinião contrária subir ao Po<strong>de</strong>r encontrará na legislaçãomeios <strong>de</strong> governar. Se quando o Partido Liberal dominou o Po<strong>de</strong>r no Ministério<strong>de</strong> 2 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1844, não tivesse achado a Lei <strong>de</strong> 3 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1841,que combateu na tribuna, na imprensa e com as armas na mão, e na qual nãotocou nem para mudar-lhe uma vírgula, se tivesse achado o seu adversárioacastelado nos castelos do sistema anterior, ou teria caído logo, ou teria saltadopor cima das leis. Cumpre que na organização social haja certas molas flexíveis,para que não quebrem quando aconteça, o que é inevitável, que nelas se carregueum pouco mais".(1)Assim, no começo da década <strong>de</strong> 40, foram estabelecidas as regrassegundo as quais os segmentos da socieda<strong>de</strong> que podiam fazer-se representar3 8
tivessem assegurado esse direito, tornando-se sucessivamente <strong>de</strong>snecessário orecurso às armas. Começava o ciclo em que ganhavam forma os instrumentoscapazes <strong>de</strong> proce<strong>de</strong>r à negociação e sancionar a barganha, em primeiro lugar, ospartidos políticos, então simples blocos parlamentares, como nos <strong>de</strong>mais paísesem que se ensaiava a prática do sistema representativo. Eram, porém, capazes <strong>de</strong>fazer valer os interesses dos grupos sociais, que tinham acesso à representação. Oaprimoramento <strong>de</strong>sta seria um tema que não mais se excluiria da or<strong>de</strong>m do dia.O aprimoramento em causa, que se esten<strong>de</strong>u por mais <strong>de</strong> quarenta anos- interrompeu-se, afinal, pelo advento da República - compreendia a <strong>de</strong>limitaçãorigorosa da base territorial abrangida pelo mandato do representante, o problemada representação da minoria e, finalmente, a ampliação da base social possuidorado direito <strong>de</strong> fazer-se representar.O Segundo Reinado permanece em nossa história como um momentosingular, insuficientemente admirado em <strong>de</strong>corrência da feição autoritária eantiliberal assumida pela República. Foi entretanto exaltado por observadoresin<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes e <strong>de</strong>scompromissados. Assim, escrevendo na década <strong>de</strong> 50, orepublicano francês Charles Ribeyrolles registra que no País "há anos não hámais nem processos políticos, nem prisioneiros <strong>de</strong> Estado, nem processos <strong>de</strong>imprensa, nem conspiração, nem banimento." (Le Brésil Pittoresque. Rio <strong>de</strong>Janeiro, 1859). E assim vivemos por quase meio século, situação que contrasta <strong>de</strong>modo flagrante com a República. Boanerges Ribeiro, no livro Protestantismo ecultura brasileira (1981), ressalta a exemplar tolerância religiosa garantida porautorida<strong>de</strong>s policiais e judiciárias, no Império, apesar <strong>de</strong> haver uma religiãooficial. Ao contrário do que ocorria em Portugal, conforme enfatiza o mesmoautor.É preciso ter presentes as dificulda<strong>de</strong>s do liberalismo na Europacatólica e patrimonialista, na mesma época. Basta recordar o que ocorreu naFrança, com a <strong>de</strong>rrubada do governo liberal em 1848 e a proclamação daRepública, seguindo-se a reintrodução da monarquia e a gran<strong>de</strong> instabilida<strong>de</strong>política que culminou com a <strong>de</strong>rrota militar <strong>de</strong> 1870, a Comuna <strong>de</strong> Paris e a IIIRepública, por sua vez notoriamente instável. O panorama <strong>de</strong> tais dificulda<strong>de</strong>sveio a ser sistematizado por Arno Mayer (Dinâmica da Contra-Revolução naEuropa. 1870-1956. Trad. bras. Paz e Terra, 1971; e A força da tradição:persistência na Europa. 1848-1914. Trad. bras. Cia. das letras, 1987). Tudo issoserve para realçar o significado da situação brasileira, Em que pese a tradiçãopatrimonialista e a maioria católica, o regime conseguiu afeiçoar-se aos paísesprotestantes, como Inglaterra e Estados Unidos. Trata-se <strong>de</strong> um feito que nunca é<strong>de</strong>mais exaltar, cumprindo enterrar <strong>de</strong> vez o longo menosprezo que lhe tem<strong>de</strong>votado a estéril e infecunda historiografia positivista-marxista, abandonandointeiramente a fecunda trilha que nos havia sido aberta por Adolpho Varnhagen(1816/1878).Devido a essa circunstância, a inquirição acerca das <strong>de</strong>terminantes doscinqüenta anos <strong>de</strong> estabilida<strong>de</strong> política, alcançada no século XIX, nem sequer foiaventada. Aquela investigação po<strong>de</strong>ria, adicionalmente ser muito instrutiva para onosso reor<strong>de</strong>namento institucional - on<strong>de</strong> a questão fe<strong>de</strong>ral ocupa lugar especial -já que a República fracassou na matéria, não havendo garantias insofismáveis <strong>de</strong>que no presente ciclo venhamos a ser plena e integralmente bem-sucedidos. OSegundo Reinado mantém-se como fato isolado em nossa história, quando porcerca <strong>de</strong> cinqüenta anos vivemos sem golpes <strong>de</strong> Estado, estados <strong>de</strong> sítio, presospolíticos, insurreições armadas, tudo isso com absoluta liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> imprensa,mantidas as garantias constitucionais dos cidadãos.3 9
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