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192"Claro, dói quando os botões <strong>de</strong>sabrocham..." Não fora uma poetisa sueca quedissera uma coisa do gênero? Ou fora uma finlan<strong>de</strong>sa?Hil<strong>de</strong> pôs-se em frente do espelho <strong>de</strong> latão que estava pendurado sobre a velhacômoda da avó.Era bonita? Pelo menos não era feia... Estava talvez no meio termo...Tinha longos cabelos loiros. Hil<strong>de</strong> tinha sempre <strong>de</strong>sejado ter os cabelos mais clarosou mais escuros. Esta cor <strong>de</strong> cabelo intermédia não tinha graça. Mas gostava dos seuscaracóis suaves. Muitas das suas amigas tratavam dos cabelos para conseguiremondulações, mas Hil<strong>de</strong> nunca precisara disso. Também gostava dos seus olhos ver<strong>de</strong>s, <strong>de</strong>um ver<strong>de</strong> esmeralda. "São <strong>de</strong> fato ver<strong>de</strong>s?", perguntavam sempre as tias e os tios quando seinclinavam para ela.Hil<strong>de</strong> refletiu sobre se a imagem que estava a examinar era o reflexo <strong>de</strong> uma moçaou <strong>de</strong> uma jovem mulher. Chegou à conclusão <strong>de</strong> que não era nenhuma das duas. O seucorpo já se assemelhava muito ao <strong>de</strong> uma mulher; o rosto, pelo contrário, fazia lembrar umamaçã ainda ver<strong>de</strong>.Algo no velho espelho fazia Hil<strong>de</strong> pensar no pai. Anteriormente, tinha estadopendurado em baixo, no atelier. O atelier ficava por cima do barracão dos barcos e servia aopai <strong>de</strong> biblioteca, local <strong>de</strong> inspiração para escrever e um refúgio para se isolar quandoestava irritado. Albert, como Hil<strong>de</strong> lhe chamava quando ele estava em casa, quisera sempreescrever uma gran<strong>de</strong> obra.Tentara uma vez um romance, mas tinha-se ficado pela tentativa. Alguns poemas e<strong>de</strong>scrições inspiradas na paisagem que o ro<strong>de</strong>ava tinham sido publicados regularmente nojornal local. Hil<strong>de</strong> ficava quase tão orgulhosa como ele quando via o seu nome impresso.Alberto Knag. Pelo menos em Lillesand, este nome tinha uma ressonância especial. Obisavô também se chamava Albert.O espelho, sim. Há muitos anos, o seu pai dissera na brinca<strong>de</strong>ira que talvez fossepossível piscar os olhos para si mesma no espelho, mas com ambos os olhos isso não seriapossível <strong>de</strong> todo. A única exceção era este espelho <strong>de</strong> latão por ser um espelho mágicoantigo que a bisavó comprara a uma cigana logo a seguir ao seu casamento.Hil<strong>de</strong> tentara durante muito tempo, mas piscar ambos os olhos para si mesma eratão difícil como fugir da sua própria sombra. Por fim, recebera <strong>de</strong> presente a velha peçaherdada. Durante toda a sua infância, tentara esta habilida<strong>de</strong> impossível regularmente. - Oque se passa conosco, minha filha?Não admirava que pensasse só em si. Quinze anos... Só então <strong>de</strong>itou um olhar àsua mesa <strong>de</strong> cabeceira. Estava lá um gran<strong>de</strong> embrulho. Com papel <strong>de</strong> um lindíssimo azulceleste e uma fita <strong>de</strong> seda vermelha. Devia ser um presente <strong>de</strong> aniversário!Seria esse o "presente"? Seria o gran<strong>de</strong> PRESENTE do seu pai, o presente à voltado qual fizera tanto mistério? Nos seus postais do Líbano, ele fizera repetidamente alusõesestranhas. Mas submetera-se a si mesmo a "uma censura rigorosa".Era um presente que crescia, escrevera ele. E <strong>de</strong>pois fizera alusões a uma moça quehavia <strong>de</strong> conhecer em breve - e à qual ele enviara uma cópia <strong>de</strong> cada postal. Hil<strong>de</strong> procurarasaber pela mãe o que queria ele dizer com aquilo, mas ela também não fazia idéia.O mais estranho <strong>de</strong> tudo tinha sido a indicação <strong>de</strong> que o presente podia talvez serpartilhado com outras pessoas. Não era por acaso que trabalhava na ONU: se o pai <strong>de</strong> Hil<strong>de</strong>tinha uma idéia fixa - e ele tinha muitas -, então era a <strong>de</strong> que a ONU <strong>de</strong>via assumir a seucargo uma espécie <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> governativa em todo o mundo. "Possa a ONU umdia aproximar <strong>de</strong> fato a humanida<strong>de</strong>": escrevera ele num postal.