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O sonho de mendeleiev

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conclusão errônea que se provaria extremamente frutífera para a química.<br />

Van Helmont concluiu que esses vapores, que permaneciam <strong>de</strong>sprovidos <strong>de</strong> forma, cor e por<br />

vezes até <strong>de</strong> cheiro, eram <strong>de</strong> fato uma forma <strong>de</strong> pré-matéria. Eram a substância amorfa a partir<br />

da qual a matéria era feita. Segundo a mitologia grega antiga, o cosmo (or<strong>de</strong>m) havia sido<br />

criado originalmente a partir <strong>de</strong> um substância informe, <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>nada, chamada caos – assim,<br />

van Helmont <strong>de</strong>cidiu chamar esses vapores ou substâncias semelhantes ao ar <strong>de</strong> “caos”. Em<br />

flamengo a primeira consoante <strong>de</strong>ssa palavra é pronunciada <strong>de</strong> maneira fortemente gutural, e<br />

essa é a origem da palavra “gás”.<br />

Princípios fundamentais distintos com relação à natureza da matéria estavam agora<br />

começando a surgir. Primeiro houvera líquidos e sólidos, agora havia gases. Os experimentos<br />

<strong>de</strong> van Helmont o levaram ao limiar <strong>de</strong> outra importante divisão da matéria. Em conformida<strong>de</strong><br />

com sua insistência na exatidão experimental, van Helmont tornou-se um gran<strong>de</strong> perito no uso<br />

<strong>de</strong> balanças para medir perda ou ganho <strong>de</strong> peso. Descobriu que certos metais podiam ser<br />

dissolvidos em várias águas fortes (ácidos). Produziam-se então “águas saborosas” (soluções<br />

que tinham cor ou gosto passíveis <strong>de</strong> ser “saboreados”). Finalmente, era possível até<br />

recuperar <strong>de</strong>ssa solução exatamente o mesmo peso <strong>de</strong> metal que nela havia sido dissolvido.<br />

Isso levou van Helmont a uma compreensão da proprieda<strong>de</strong> fundamental da matéria. Apesar<br />

<strong>de</strong> sua transformação durante experimentos, a matéria nunca era <strong>de</strong>struída.<br />

O trabalho bioquímico pioneiro <strong>de</strong> van Helmont o levou a investigar também a digestão<br />

humana. Ele concluiu que o “ácido faminto” no estômago reagia com o alimento, e que a<br />

digestão era um processo <strong>de</strong> fermentação (produzindo o mesmo gás que a fermentação<br />

alcoólica e a queima <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira). Van Helmont estava à beira <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>scoberta vital aqui,<br />

mas ela só seria feita alguns anos <strong>de</strong>pois por seu discípulo Franciscus Sylvius, que, em 1658,<br />

tornou-se professor catedrático <strong>de</strong> medicina em Ley<strong>de</strong>n, então uma das principais<br />

universida<strong>de</strong>s da Europa.<br />

Durante o século XVII os recém-in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes Países Baixos tornaram-se um porto <strong>de</strong><br />

tolerância religiosa e liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> pensamento. A força social propulsora era a classe média<br />

protestante ascen<strong>de</strong>nte, que estava mais interessada em comércio do que em mover guerras<br />

<strong>de</strong>strutivas contra os católicos. Aqui mais uma vez, como no caso da Grécia antiga e das<br />

cida<strong>de</strong>s-Estado da Itália renascentista, parece haver uma ligação entre <strong>de</strong>mocracia (<strong>de</strong> um tipo<br />

inferior) e <strong>de</strong>senvolvimento intelectual. Foi na Holanda (e até certo ponto na Inglaterra) que o<br />

renascimento intelectual produziu suas primeiras gran<strong>de</strong>s realizações. Os filósofos Descartes<br />

e Spinoza viveram ali, os filósofos ingleses Hobbes e Locke publicaram ali, e o<br />

enciclopedista Bayle refugiou-se ali da opressiva França <strong>de</strong> Luís XIV. Os holan<strong>de</strong>ses locais<br />

também contribuíram para a revolução intelectual internacional que florescia <strong>de</strong>ntro do porto<br />

seguro <strong>de</strong> suas fronteiras. O cientista holandês Huygens iria <strong>de</strong>spontar como o único quase<br />

rival <strong>de</strong> Newton no campo da óptica. E Sylvius levou a abundância <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ias químicas<br />

estimulada por van Helmont à sua plena realização.<br />

Sylvius viu a digestão como um processo químico “natural”, envolvendo saliva ácida, bile<br />

alcalina e os recém-<strong>de</strong>scobertos sucos pancreáticos, que por reação e gosto eram<br />

consi<strong>de</strong>rados como ácidos. (Como no caso das “águas saborosas”, o paladar continuava sendo<br />

um importante auxiliar no laboratório.) A digestão era vista como uma guerra química. Os<br />

ácidos e álcalis produzidos pelo corpo <strong>de</strong>compunham o alimento ingerido, reagindo com os<br />

álcalis e ácidos contidos nele, essas forças oponentes finalmente se neutralizando uma à outra.

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