19.11.2018 Views

O sonho de mendeleiev

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

matematicamente provado.)<br />

Na medicina, Avicena foi o médico mais importante entre Galeno, a sumida<strong>de</strong> médica da<br />

era romana, e Harvey, que iria <strong>de</strong>scobrir a circulação do sangue no século XVII. Sua perícia<br />

<strong>de</strong>corria diretamente do saber alquímico que absorveu <strong>de</strong> al-Razi e <strong>de</strong> suas próprias<br />

investigações alquímicas. Como al-Razi, acreditava que a medicina era uma ciência. Em sua<br />

concepção, remédios minerais ou químicos eram muito superiores às ervas e às superstições<br />

que haviam sido correntes <strong>de</strong>s<strong>de</strong> tempos imemoriais. Avicena compilou uma ampla lista <strong>de</strong><br />

substâncias químicas, seus efeitos quando tomadas como drogas e as doenças que eram<br />

capazes <strong>de</strong> curar. Essa farmacopeia logo foi aceita como a obra padrão sobre o assunto.<br />

A obra científica e filosófica <strong>de</strong> Avicena acabou por ser truncada por eventos políticos. Ele<br />

caiu em <strong>de</strong>sfavor como vizir junto ao xá da Pérsia, mas conseguiu escapar com vida,<br />

escon<strong>de</strong>ndo-se. Ressurgiu somente quando o xá ficou tão doente que os médicos da corte<br />

per<strong>de</strong>ram as esperanças, afirmando que apenas Avicena seria capaz <strong>de</strong> lhe salvar a vida. Sua<br />

presença tornou-se assim essencial, e sua segurança garantida. Quando o xá foi <strong>de</strong>rrotado, o<br />

intelecto <strong>de</strong> Avicena foi consi<strong>de</strong>rado parte do butim; apesar <strong>de</strong> ter dirigido o esforço <strong>de</strong> guerra<br />

persa, foi imediatamente posto para trabalhar pelo inimigo. (Um exemplo precoce <strong>de</strong> uma<br />

tradição que ainda estava florescendo na Segunda Guerra Mundial, quando tanto russos quanto<br />

americanos não mediram esforços para pôr as mãos nos melhores cientistas <strong>de</strong> foguetes<br />

alemães, a <strong>de</strong>speito <strong>de</strong> sua conivência como os nazistas.)<br />

Enquanto isso Avicena levava à frente seu pensamento filosófico o melhor que podia. Este,<br />

como sua química, era fundado em equívocos aristotélicos. Era ainda mais tolhido pelas<br />

exigências conceituais <strong>de</strong> ampliar a ortodoxia islâmica. Sem essa camisa <strong>de</strong> força, Avicena<br />

provavelmente teria <strong>de</strong>senvolvido uma filosofia <strong>de</strong> originalida<strong>de</strong> genuína. Sua se<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

conhecimento filosófico e científico era movida por um senso muito mo<strong>de</strong>rno <strong>de</strong> perplexida<strong>de</strong><br />

existencial, como o mostra sua poesia:<br />

Como <strong>de</strong>sejaria po<strong>de</strong>r saber quem sou,<br />

O que eu busco no mundo<br />

Apesar <strong>de</strong>sses protestos <strong>de</strong> ignorância, Avicena não era <strong>de</strong> suportar tolos <strong>de</strong> bom grado e seu<br />

temperamento abrasivo lhe valeu poucos amigos. Chegou a menosprezar os escritos<br />

filosóficos <strong>de</strong> seu mentor médico, al-Razi, sugerindo que ele <strong>de</strong>veria ter se limitado a “testar<br />

fezes e urina”. Avicena morreu em 1037, provavelmente por envenenamento.<br />

Alguns anos mais tar<strong>de</strong>, as obras <strong>de</strong> Avicena sobre filosofia e medicina haviam alcançado<br />

ampla aceitação em todos os quadrantes do mundo árabe. Um exemplar <strong>de</strong> sua farmacopeia foi<br />

encontrado em local tão distante quando a gran<strong>de</strong> biblioteca <strong>de</strong> Toledo, quando a cida<strong>de</strong> foi<br />

reconquistada pelos espanhóis em 1095. Mesmo antes disso, porém, os segredos da obra<br />

haviam sido contraban<strong>de</strong>ados para a Europa por Constantino da África – uma daquelas figuras<br />

que irrompem na história, seu nome vinculado a um feito significativo e a um punhado <strong>de</strong> fatos<br />

sugestivos, <strong>de</strong>ixando-nos a imaginar o romance <strong>de</strong> uma vida inteira. Constantino da África<br />

nasceu muçulmano, provavelmente em Cartago, e foi instruído em Bagdá. Um dia apareceu<br />

misteriosamente na escola <strong>de</strong> medicina <strong>de</strong> Salerno com um exemplar da farmacopeia <strong>de</strong><br />

Avicena. Após traduzir essa obra para um latim medíocre, tornou-se monge cristão em Monte<br />

Cassino, on<strong>de</strong> morreu em 1087. Nos séculos seguintes a farmacopeia <strong>de</strong> Avicena iria se tornar

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!