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O sonho de mendeleiev

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processo que <strong>de</strong>positava tártaros em barris <strong>de</strong> vinho e nos <strong>de</strong>ntes. O tártaro no corpo provinha<br />

da comida e dos líquidos, e era geralmente eliminado pelos processos digestivos. Em alguns<br />

casos, a digestão era <strong>de</strong>ficiente, ou a água local tinha excesso <strong>de</strong> tártaro. (Paracelso se gabava<br />

<strong>de</strong> que em sua Suíça natal a água era tão pura que ninguém sofria <strong>de</strong> gota, artrite ou cálculos<br />

biliares.) Se a doença não estivesse muito avançada, era possível expelir o tártaro ingerindo<br />

uma substância que reagisse com ele, como o sal <strong>de</strong> Rochelle (tartarato <strong>de</strong> sódio e potássio).<br />

Ali estava, em <strong>de</strong>talhes impressionantes, uma <strong>de</strong>scrição precursora <strong>de</strong> como o <strong>de</strong>sequilíbrio<br />

físico podia causar uma doença: um dos primeiros casos <strong>de</strong> genuína etiologia médica<br />

científica.<br />

Um dos remédios mais eficazes <strong>de</strong> Paracelso era o láudano. Este era uma concocção <strong>de</strong><br />

ópio cru que ele usava para aliviar ampla varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> queixas. Na verda<strong>de</strong>, em certas<br />

ocasiões ele parece ter encarado o láudano quase como uma panaceia. Afirmou ter inventado<br />

esse remédio, mas provavelmente o trouxe <strong>de</strong> suas viagens a Constantinopla. De todo modo,<br />

certamente o batizou, talvez a partir do latim laudare, louvar. Por muitos anos, guardou<br />

também consigo o segredo dos seus ingredientes. Quando pacientes ricos pediam para serem<br />

tratados com esse novo remédio miraculosamente sedativo, Paracelso lhes cobrava uma<br />

fortuna, afirmando que a droga continha folhas <strong>de</strong> ouro e pérolas não perfuradas. Segundo uma<br />

<strong>de</strong>scrição da época, ele administrava láudano como pílulas “que tinham a forma <strong>de</strong><br />

excrementos <strong>de</strong> camundongo”. Mais tar<strong>de</strong> o nome seria usado para <strong>de</strong>screver uma solução <strong>de</strong><br />

ópio em álcool. O láudano <strong>de</strong> Paracelso continuou sendo uma arma importante no arsenal<br />

médico até o final do século XIX, seu uso <strong>de</strong>masiado entusiástico resultando frequentemente<br />

em <strong>de</strong>pendência química. Bebida predileta dos poetas românticos, era <strong>de</strong>sse “ópio” que <strong>de</strong><br />

Quincey, Bau<strong>de</strong>laire e Coleridge eram <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes. (Paracelso esteve longe <strong>de</strong> ser o último a<br />

consi<strong>de</strong>rar narcóticos uma panaceia; mais <strong>de</strong> 300 anos <strong>de</strong>pois o jovem doutor Freud, em<br />

Viena, cometeria o mesmo erro com a cocaína.)<br />

Paracelso era igualmente presunçoso nas suas prescrições <strong>de</strong> remédios químicos. A<br />

confiança excessiva em sua infalibilida<strong>de</strong> levou-o muitas vezes a administrar a seus pacientes<br />

compostos <strong>de</strong> mercúrio e antimônio, apesar do fato <strong>de</strong> essas substâncias serem sabidamente<br />

tóxicas. É possível que os dignos físicos e boticários que se opunham aos seus métodos nem<br />

sempre fossem motivados por superstição ignorante e consi<strong>de</strong>rações comerciais interesseiras.<br />

Em Paracelso po<strong>de</strong>mos distinguir os elementos da química começando a emergir através da<br />

cortina <strong>de</strong> fumaça mefítica da alquimia. Mas, e quanto aos próprios elementos? Aí também<br />

Paracelso foi fora <strong>de</strong> série. O minério <strong>de</strong> zinco era conhecido <strong>de</strong>s<strong>de</strong> tempos pré-históricos,<br />

assim como o latão, uma liga <strong>de</strong> cobre e zinco. Paracelso, contudo, foi provavelmente o<br />

primeiro a se dar conta <strong>de</strong> que o zinco era metálico. Descobriu também um método para isolar<br />

o arsênio metálico, misturando o sulfeto com cascas <strong>de</strong> ovo e <strong>de</strong>screvendo o resultado como<br />

“branco como prata” – embora provavelmente Alberto Magno o tenha precedido no<br />

isolamento efetivo <strong>de</strong>sse elemento.<br />

É possível que Paracelso tenha sido o primeiro a <strong>de</strong>screver as proprieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> dois outros<br />

elementos – bismuto e kobold (cobalto), embora certamente não tenha sido seu <strong>de</strong>scobridor.<br />

Ele encontrou o bismuto pela primeira vez nas minas Fugger. Os mineiros austríacos da época<br />

acreditavam firmemente na teoria aristotélica da evolução metálica. Segundo esta, o longo<br />

processo <strong>de</strong> transmutação natural resultava em três tipos distintos <strong>de</strong> chumbo: o chumbo<br />

comum, o estanho e o bismuto. O último era o mais próximo da prata. Em consequência,

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