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O sonho de mendeleiev

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doença foi levada das Américas recém-<strong>de</strong>scobertas para a Europa por marujos, embora alguns<br />

comentadores creiam hoje que a lepra mencionada na Bíblia era em alguns casos sífilis.)<br />

Naqueles primeiros dias da doença (ou <strong>de</strong> sua ressurgência virulenta), suas manifestações<br />

eram horríveis e aflitivamente penosas. A pele do paciente ficava coberta <strong>de</strong> pústulas, que se<br />

<strong>de</strong>senvolviam em chagas abertas, enquanto a carne apodrecia a partir dos ossos em meio a um<br />

fedor <strong>de</strong> supuração. Os 14 sifilíticos <strong>de</strong> Nuremberg haviam sido confinados em quarentena<br />

num cercado fora dos muros da cida<strong>de</strong>, os médicos locais tendo perdido a esperança <strong>de</strong> curálos.<br />

Diz-se que Paracelso curou nove <strong>de</strong>sses proscritos. E, mais uma vez, há indícios <strong>de</strong> sua<br />

proeza nos registros da cida<strong>de</strong>.<br />

Em 1530 Paracelso publicou uma <strong>de</strong>scrição completa da sífilis, a primeira <strong>de</strong>scrição geral<br />

verda<strong>de</strong>iramente clínica a aparecer <strong>de</strong>ssa doença. Sustentou também que podia ser curada se o<br />

paciente recebesse dosagens estritamente limitadas <strong>de</strong> compostos <strong>de</strong> mercúrio, tomadas<br />

internamente a intervalos prescritos. Sabe-se hoje que outros médicos haviam começado a<br />

usar esse tratamento anos antes. É incerto se Paracelso tinha conhecimento disso. Compostos<br />

<strong>de</strong> mercúrio continuariam sendo o tratamento padrão para a sífilis; causavam quase tanta dor<br />

quanto a doença, sendo também tão venenosos que por vezes conseguiam matar o paciente. Foi<br />

esse tratamento que inspirou o dito popular: “Uma noite com Vênus leva a uma vida com<br />

Mercúrio.” Essa permaneceu a prática padrão até que, em 1909, o tratamento revolucionário<br />

pelo salvarsan a substituiu por compostos <strong>de</strong> arsênio.<br />

Quatro anos mais tar<strong>de</strong> Paracelso estava aplicando seu método <strong>de</strong> inoculação homeopática<br />

a vítimas da peste em Stertzing. Ali, diz-se que curou pacientes (e/ou os inoculou)<br />

administrando bolinhas <strong>de</strong> pão impregnadas com uma quantida<strong>de</strong> minúscula <strong>de</strong> fezes <strong>de</strong><br />

pacientes infectados.<br />

Nessa época, com seus 40 e poucos anos, Paracelso <strong>de</strong>cidiu que era hora <strong>de</strong> consignar por<br />

escrito, <strong>de</strong> forma sistemática, seu vasto conhecimento medicinal. Publicou essa obra<br />

finalmente em 1536 como Die Grosse Wundartzney (“O gran<strong>de</strong> livro da cirurgia”). Essa obra<br />

logo passou a ser muito requisitada e, pela primeira vez, Paracelso se viu relativamente<br />

próspero. Estava agora tão famoso que até príncipes o chamavam para consultas. Seu<br />

comportamento infame e provocativo, porém, garantia que continuasse também uma figura <strong>de</strong><br />

péssima reputação. Até seus discípulos fiéis o consi<strong>de</strong>ravam difícil: “Ele resmunga consigo<br />

mesmo por horas. Quando fala com outros, mal o conseguem enten<strong>de</strong>r. Passa muito tempo<br />

junto a seu fogão cozendo pós, mas não consente que ninguém o aju<strong>de</strong>. Fica irritadíssimo<br />

quando lhe falam. De repente tem um ataque e grita como um animal ferido. Fica impaciente<br />

com o mais ligeiro erro <strong>de</strong> seu copista.”<br />

A qualida<strong>de</strong> do seu trabalho, no entanto, era incomparável. Consi<strong>de</strong>re sua <strong>de</strong>scrição das<br />

“doenças do tártaro” – com o que <strong>de</strong>signava a gota, a artrite, os cálculos biliares e<br />

enfermida<strong>de</strong>s similares. Elas eram todas muito comuns nos tempos medievais em razão da<br />

dieta rica mas <strong>de</strong>sequilibrada. Poucos escapavam da dolorosa gota na velhice.<br />

Segundo Hipócrates, a gota era causada por um <strong>de</strong>sequilíbrio dos quatro humores, que<br />

resultava numa “<strong>de</strong>fluxão”, restringindo o fluxo dos humores para o pé. Para ele, a gota, a<br />

artrite e doenças semelhantes eram manifestações do processo <strong>de</strong> envelhecimento e portanto<br />

incuráveis. Paracelso discordava. Aquelas eram doenças químicas, que podiam ser tratadas<br />

pela iatroquímica. Elas resultavam <strong>de</strong> um acúmulo <strong>de</strong> tártaro – que na artrite paralisava as<br />

juntas e na gota <strong>de</strong>positava dolorosos nódulos <strong>de</strong> tártaro no pé. Isso era causado pelo mesmo

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