O sonho de mendeleiev
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se moviam através da vastidão do espaço. Quando Galileu apontou seu telescópio para o céu<br />
noturno, toda a estrutura do universo se transformou perante seus olhos. As coisas nunca mais<br />
po<strong>de</strong>riam ser as mesmas.<br />
Galileu foi o primeiro filósofo da ciência verda<strong>de</strong>iramente original <strong>de</strong>s<strong>de</strong> Aristóteles.<br />
Seguindo Pitágoras, acreditava que o mundo podia ser <strong>de</strong>scrito em termos <strong>de</strong> matemática, e<br />
que a matemática encerrava a chave da investigação do mundo. Consi<strong>de</strong>rava, porém, que<br />
apenas certos aspectos do mundo podiam ser <strong>de</strong>scritos em termos matemáticos. Chamou-os <strong>de</strong><br />
“qualida<strong>de</strong>s primárias – forma e tamanho, número, posição e movimento”. Todas essas<br />
qualida<strong>de</strong>s eram objetivas e eram proprieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> corpos. Por exemplo, era possível medir o<br />
tamanho, a forma, a velocida<strong>de</strong> etc. <strong>de</strong> uma bala <strong>de</strong> canhão. Mas havia qualida<strong>de</strong>s secundárias<br />
– como paladar, cheiro, cor e som. Estas não eram mensuráveis, porque não pertenciam aos<br />
próprios corpos. Essas qualida<strong>de</strong>s só existiam na mente da pessoa que observava o corpo,<br />
eram um mero efeito do corpo.<br />
Essa distinção foi crucial. A ciência po<strong>de</strong>ria avançar com o que era mensurável. Outras<br />
qualida<strong>de</strong>s, claramente não mensuráveis, seriam <strong>de</strong>sprezadas como meros fenômenos<br />
subjetivos. Em retrospecto, po<strong>de</strong>mos ver que as qualida<strong>de</strong>s primárias pertencem à física. As<br />
qualida<strong>de</strong>s secundárias pertencem mais à química. Para se <strong>de</strong>finir, para elucidar sua visão, a<br />
ciência tinha <strong>de</strong> se limitar. Para estabelecer os elementos da ciência mo<strong>de</strong>rna, o que podia ser<br />
pensado claramente tinha <strong>de</strong> ser separado do que não podia. Galileu restringiu a ciência à<br />
pergunta: “O que acontece?” Ignorou a pergunta concomitante da ciência: “O que é isso?” A<br />
física po<strong>de</strong> operar sem esta última pergunta, mas ela é uma percepção central da química. No<br />
entanto, nesse estágio a visão da química tornara-se irremediavelmente embaçada. É possível<br />
afirmar que seu único uso relevante era a manufatura <strong>de</strong> remédios. Qualquer avanço<br />
significativo era frustrado pela teoria dos quatro elementos e as confusões da alquimia. Antes<br />
que a química pu<strong>de</strong>sse avançar, os homens tinham <strong>de</strong> enten<strong>de</strong>r, através da física, o que era a<br />
ciência.<br />
A ciência avançava agora para um mundo sem cor, sem cheiro, sem gosto, sem som – um<br />
universo realmente árido. Para que qualquer ramo do conhecimento se torne uma ciência,<br />
parece que essa redução drástica é invariavelmente necessária. Na era contemporânea, quando<br />
a economia aspira a se tornar uma ciência, ela foi forçada a reduzir as riquezas da natureza<br />
humana ao Homo economicus. Essa espécie limitada é <strong>de</strong>finida puramente pelo que consome,<br />
o que produz e sua constante cobiça por mais. Parece que somente reduzindo o ser humano a<br />
um mero trato digestivo a economia po<strong>de</strong> ter a esperança <strong>de</strong> alcançar sua salvação como<br />
ciência.<br />
Tais reduções do mundo a um esquema <strong>de</strong> coisas po<strong>de</strong>m ter consequências sérias para nossa<br />
visão da condição humana. (Não passaríamos nós em última análise <strong>de</strong> consumidores? Meras<br />
estatísticas em diagrama <strong>de</strong> fluxo da existência humana?) A redução científica que começou<br />
com Galileu iria se provar altamente ofensiva à psique humana e continua até hoje pelo menos<br />
em parte inaceitável.<br />
Comparado com o mundo árido e sem cor da nova ciência, o velho mundo medieval era<br />
excepcionalmente rico. Para começar, tinha um significado global. O mundo existia para ser<br />
contemplado, seu significado mais profundo refletido. Havia um programa espiritual e ético<br />
oculto. O universo podia ser lido como uma obra <strong>de</strong> literatura: o livro <strong>de</strong> Deus. Metáfora e<br />
simbolismo permeavam todos os seus funcionamentos. Mas a nova ciência não era crítica