O sonho de mendeleiev
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à barbarida<strong>de</strong> <strong>de</strong> suas profecias, a alquimia <strong>de</strong> Newton po<strong>de</strong>ria parecer um pecadilho. Isto é,<br />
até que os fatos emergissem. Ele possuía nada menos que 138 livros sobre alquimia e iria<br />
escrever mais <strong>de</strong> 650.000 palavras sobre o assunto. Evi<strong>de</strong>ntemente isso não era um mero<br />
hobby. Seu envolvimento experimental foi igualmente imenso. Apesar <strong>de</strong> sua abordagem<br />
sigilosa do assunto, chegou a construir seu próprio forno no jardim <strong>de</strong> seus aposentos em<br />
Trinity para po<strong>de</strong>r levar adiante suas investigações alquímicas. Segundo seu <strong>de</strong>sesperado<br />
assistente, era “tão sério em relação a seus estudos que comia muito frugalmente, muitas vezes<br />
se esquecia por completo <strong>de</strong> comer... muito raramente se <strong>de</strong>itava antes das três ou quatro<br />
horas, às vezes só às cinco ou seis... costumava passar cerca <strong>de</strong> seis semanas em seu<br />
laboratório, o fogo raras vezes se apagando dia ou noite, ele ficando acordado uma noite,<br />
como eu fiquei em outra, até que tivesse acabado seus experimentos químicos... Qual po<strong>de</strong>ria<br />
ser seu objetivo é algo que não consegui penetrar.” A julgar pelos ca<strong>de</strong>rnos <strong>de</strong> Newton, seus<br />
motivos para esses experimentos eram totalmente metafísicos. Até a transmutação <strong>de</strong> metais<br />
inferiores em ouro era encarada do ângulo metafísico. Aquilo não era química, era feitiçaria.<br />
Ainda assim, Newton estava convencido <strong>de</strong> que algum tipo <strong>de</strong> estrutura residia no coração<br />
da matéria. Tinha <strong>de</strong> haver leis supremas governando essa substância, o próprio material do<br />
mundo que habitamos. Mas, como vimos, a ciência da química ainda não estava <strong>de</strong> fato<br />
suficientemente avançada para enfrentar questões como essas – diferentemente da física, em<br />
que Newton tivera mais êxito que ninguém. E, é claro, os motivos químicos <strong>de</strong> Newton eram<br />
não científicos, sua abordagem mental questionável, para dizer o mínimo. Em seus melhores<br />
dias, Newton tinha uma estabilida<strong>de</strong> mental precária, mas foi o fracasso <strong>de</strong> suas investigações<br />
alquímicas, combinado com uma paixão não <strong>de</strong>clarada por um jovem matemático suíço, que<br />
finalmente o fez per<strong>de</strong>r as estribeiras. Em 1693, aos 50 anos, Newton sofreu “um distúrbio<br />
que afetou muito sua cabeça, e o <strong>de</strong>ixou acordado por cerca <strong>de</strong> cinco noites ao todo”, segundo<br />
um colega <strong>de</strong> Cambridge. Depois ele fugiu <strong>de</strong> Cambridge e <strong>de</strong>sapareceu por completo por<br />
vários meses. A primeira notícia que se teve <strong>de</strong>le foi uma carta garatujada, com borrões <strong>de</strong><br />
tinta, escrita na Bull Tavern em Shoreditch, a leste <strong>de</strong> Londres, para seu amigo o filósofo John<br />
Locke. Nela, <strong>de</strong>sculpava-se por “ser da opinião <strong>de</strong> que você tentou me envolver com<br />
mulheres”. Semelhante tentativa teria irritado particularmente Newton, que vivia uma vida <strong>de</strong><br />
estrito celibato, assegurando assim não ter <strong>de</strong> admitir suas inclinações homossexuais<br />
reprimidas nem para si mesmo.<br />
Tudo isso teve seu efeito no mundo científico em geral. O exercício da presidência da<br />
Royal Society por Newton assegurou que a misoginia fosse sacralizada nessa venerável<br />
instituição científica. Essa tendência já fora encorajada por Hooke, o secretário da socieda<strong>de</strong>,<br />
que fizera voto <strong>de</strong> nunca se casar. Parece que, para membros daquela augusta instituição,<br />
mesmo a mais ligeira perspectiva <strong>de</strong> se envolver com uma mulher era intolerável. Como a<br />
historiadora da ciência contemporânea Londa Schiebinger observou: “Por quase três séculos a<br />
única presença feminina na Royal Society foi um esqueleto preservado na coleção anatômica<br />
da socieda<strong>de</strong>.”<br />
A senda da alquimia levou à loucura – não só para a química. Os elementos que Boyle<br />
<strong>de</strong>finira teriam agora <strong>de</strong> ser <strong>de</strong>scobertos num sentido estritamente literal.