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O sonho de mendeleiev

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algumas passagens, o elixir que ele menciona como um catalisador para a transmutação é<br />

quase idêntico ao elixir que prescreve para uma queixa médica. Purgar o chumbo <strong>de</strong> seus<br />

elementos inferiores e purgar os intestinos parecem ter sido vistos como basicamente o mesmo<br />

processo – ambos requerendo tratamento i<strong>de</strong>nticamente drástico. É difícil imaginar os efeitos<br />

da ingestão <strong>de</strong> um catalisador <strong>de</strong>stinado a operar em metal fundido a cerca <strong>de</strong> 400ºC.<br />

A <strong>de</strong>speito <strong>de</strong> quaisquer protestos dos pacientes, isso iria inaugurar uma tendência. Para<br />

gerar uma renda muito necessária, alquimistas logo começaram a prescrever diferentes<br />

elixires para diferentes queixas médicas. Logo elixires específicos tornaram-se reconhecidos<br />

como tratamento apropriado para queixas particulares. A i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> usar substâncias químicas<br />

para queixas específicas fora central na farmacopeia <strong>de</strong> Djabir – exemplares da qual, na<br />

tradução <strong>de</strong> Constantino da África, haviam agora se espalhado amplamente por toda a Europa.<br />

Os elixires produzidos pelos alquimistas europeus reforçaram a i<strong>de</strong>ia. A farmácia estava<br />

nascendo na Europa.<br />

Essa prática foi ajudada pela <strong>de</strong>scoberta do mais importante elixir <strong>de</strong> todos os tempos.<br />

Tratou-se <strong>de</strong> mais uma água, ou aqua, forte; tornou-se conhecido como a água da vida, ou<br />

aqua vitae. Era produzida pela <strong>de</strong>stilação cuidadosa do vinho. O alquimista que primeiro<br />

produziu álcool quase puro foi Arnoldo <strong>de</strong> Villanova, nascido na Espanha no século XIV. O<br />

pensamento <strong>de</strong> Arnoldo era uma curiosa mistura <strong>de</strong> misticismo e penetração científica. Ele<br />

observou que ao se queimar ma<strong>de</strong>ira num recinto não ventilado há um acúmulo <strong>de</strong> gás<br />

venenoso – o que fez <strong>de</strong>le o <strong>de</strong>scobridor do monóxido <strong>de</strong> carbono. Acreditava também que a<br />

pedra filosofal existia em todas as substâncias, das quais podia ser extraída. Essa i<strong>de</strong>ia<br />

mística faz eco à sua preparação <strong>de</strong> álcool puro pela <strong>de</strong>stilação do vinho. Em consequência do<br />

simbolismo alquímico, o álcool passou a ser visto como a essência dos raios <strong>de</strong> sol (ouro<br />

etéreo) que haviam penetrado as uvas e sido retidos em seus sucos. (Tem-se a impressão <strong>de</strong><br />

que a literatura sobre o vinho também foi inventada nesse período.)<br />

Arnoldo <strong>de</strong> Villanova era um homem <strong>de</strong> amplo conhecimento médico que sabia árabe. Leu a<br />

farmacopeia <strong>de</strong> Avicena no original, não na tradução um tanto negligente <strong>de</strong> Constantino da<br />

África, e suas prescrições eram correspon<strong>de</strong>ntemente mais precisas que as <strong>de</strong> seus<br />

concorrentes profissionais. Por todo o sul da Europa, Arnoldo <strong>de</strong> Villanova era reconhecido<br />

como o mais excelente médico <strong>de</strong> seu tempo, chamado à cabeceira <strong>de</strong> reis e papas (dos quais<br />

houve quase 20 durante seu período <strong>de</strong> vida). Tratar monarcas doentes, irascíveis, e pontífices<br />

<strong>de</strong>masiado indulgentes era uma ativida<strong>de</strong> perigosa. O fracasso podia ser fatal tanto para o<br />

paciente quanto para seu médico. Mas o sucesso trazia recompensas igualmente palpitantes.<br />

Arnoldo ganhou um magnífico castelo do rei Pedro III <strong>de</strong> Aragão, uma cátedra bem<br />

remunerada na Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Montpellier <strong>de</strong> um papa e proprieda<strong>de</strong>s rurais na Itália,<br />

Espanha e sul da França – todos locais i<strong>de</strong>ais para continuar suas pesquisas sobre a <strong>de</strong>stilação<br />

do vinho.<br />

Descobriu-se que, como a aqua fortis (ácido nítrico), a aqua vitae (álcool) era um<br />

solvente, embora <strong>de</strong> um teor diferente, mais sutil. Também tinha qualida<strong>de</strong>s preservativas. Em<br />

medicina, podia ser usada como um <strong>de</strong>sinfetante, para limpar ferimentos. Outros, <strong>de</strong><br />

inclinação menos filantrópica, submeteram esse novo líquido miraculoso a seu próprio uso<br />

experimental peculiar. Esse hábito logo se espalhou por toda a Europa, on<strong>de</strong> a expressão aqua<br />

vitae foi traduzida em diferentes línguas. Em francês tornou-se eau <strong>de</strong> vie, em línguas<br />

escandinavas akvavit, em gaélico usquebaugh (uísque). Esses experimentos <strong>de</strong>vem ter se

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