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O sonho de mendeleiev

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... O conhecimento é na melhor das hipóteses conjectura.” Mais uma vez, a noção<br />

profundamente científica <strong>de</strong> teoria reaparece, após uma ausência <strong>de</strong> cerca <strong>de</strong> um milênio e<br />

meio.<br />

Nicolau <strong>de</strong> Cusa gostava <strong>de</strong> usar imagens matemáticas para ilustrar sua filosofia. Até<br />

compara a busca da verda<strong>de</strong> pela humanida<strong>de</strong> com a da quadratura do círculo. (Essa velha<br />

anedota matemática chegara a obcecar matemáticos medievais. O objetivo era construir um<br />

quadrado <strong>de</strong> área igual à <strong>de</strong> um círculo, usando somente régua e compasso. Só algum tempo<br />

<strong>de</strong>pois foi finalmente provado ser isso impossível. Quando se traça um círculo com um<br />

compasso, ele terá sempre um raio <strong>de</strong> um comprimento mensurável, que po<strong>de</strong> portanto ser<br />

tomado como uma unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> 1. Portanto sua área é π ×1 2 = π. Consequentemente a borda do<br />

quadrado <strong>de</strong> área idêntica será √π. Mas π é irracional: seu valor é 3,141592653589793... e<br />

assim por diante, sem jamais repetir sequências <strong>de</strong> números. Em outras palavras, é por<br />

<strong>de</strong>finição imensurável. É portanto impossível quadrar o círculo usando régua e compasso.)<br />

As i<strong>de</strong>ias filosófico-científicas <strong>de</strong> Nicolau <strong>de</strong> Cusa po<strong>de</strong>m ter sido excepcionalmente<br />

avançadas, mas suas i<strong>de</strong>ias científicas concretas foram explosivas. Ele acreditava que a Terra<br />

girava em torno <strong>de</strong> seu eixo, e isso o levou a concluir que ela se movia em torno do Sol.<br />

Compreen<strong>de</strong>u também que as estrelas eram exatamente como nosso Sol, e também elas <strong>de</strong>viam<br />

ser circuladas por mundos habitados. Mais especulações o levaram a concluir que o universo<br />

era infinito. E como não tinha ponto central, “em cima” e “em baixo” eram coisas que não<br />

existiam no espaço. Algumas <strong>de</strong>ssas i<strong>de</strong>ias iriam permanecer à frente <strong>de</strong> seu tempo até a<br />

aurora do século XX.<br />

Ironicamente, Nicolau <strong>de</strong> Cusa chegou a muitas <strong>de</strong>ssas conclusões aplicando um princípio<br />

<strong>de</strong> sua própria invenção que era basicamente metafísico. Tratava-se do seu coinci<strong>de</strong>ntia<br />

oppositorium – em termos simples, a confluência dos opostos. (Tome, por exemplo, opostos<br />

como o círculo e a linha reta. Segundo Nicolau <strong>de</strong> Cusa, eles se tornam coinci<strong>de</strong>ntes quando<br />

estendidos à infinida<strong>de</strong>: um círculo com raio infinito tem uma circunferência que é uma linha<br />

reta.) Ele aplicou esse princípio tanto geométrica quanto teologicamente – muitas vezes com<br />

os dois entrelaçados. As i<strong>de</strong>ias <strong>de</strong> Nicolau <strong>de</strong> Cusa continuaram medievais na medida em que<br />

continham muita teologia. O fator significativo é que no coinci<strong>de</strong>ntia oppositorium ele<br />

empregou um novo modo <strong>de</strong> pensar para resolver problemas previamente insolúveis. O<br />

coinci<strong>de</strong>ntia oppositorium era essencialmente uma ferramenta teórica – uma que não fora<br />

usada por Aristóteles e que por isso lhe permitiu passar ao largo das i<strong>de</strong>ias <strong>de</strong> Aristóteles.<br />

As i<strong>de</strong>ias cosmológicas <strong>de</strong> Nicolau <strong>de</strong> Cusa não se fundavam em dados experimentais,<br />

observações precisas ou cálculos matemáticos. Sua roupagem teológica, bem como o obscuro<br />

princípio original em que se baseavam, po<strong>de</strong>m explicar em parte por que ele não teve<br />

problemas com a Igreja. Ao contrário: menos <strong>de</strong> <strong>de</strong>z anos <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ser or<strong>de</strong>nado padre foi<br />

feito car<strong>de</strong>al, e mais tar<strong>de</strong> bispo. Não permitiu, contudo, que esses compromissos públicos o<br />

<strong>de</strong>sviassem <strong>de</strong> suas ativida<strong>de</strong>s intelectuais.<br />

Muitas das i<strong>de</strong>ias <strong>de</strong> Nicolau <strong>de</strong> Cusa po<strong>de</strong>m ter carecido <strong>de</strong> embasamento experimental,<br />

mas isso não se <strong>de</strong>via a nenhuma falta <strong>de</strong> habilida<strong>de</strong> na esfera prática. Quando se voltava para<br />

matérias práticas, ele era inigualável – seu trabalho tendo amplitu<strong>de</strong> universal. Mais uma vez,<br />

era na noção da medição matematicamente precisa que residia a chave do conhecimento.<br />

Medindo os diferentes pesos <strong>de</strong> uma bola <strong>de</strong> lã, que absorvia água do ar, era possível<br />

<strong>de</strong>terminar a umida<strong>de</strong>. Derramando iguais pesos <strong>de</strong> água num recipiente quadrado e num

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